“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia”, já dizia o poema de Marina Colasanti. Fato é que a Covid-19 nos arrebatou há mais de um ano e, embora compreendida como um advento delicado para a humanidade, trouxe também luz a uma situação que já vivenciávamos sem perceber: ao deparar com uma tragédia, nosso cérebro tende a normalizá-la por autoproteção, e somente a torna alarmante novamente quando a ocorrência se torna próxima de nós.
Isso não é apenas uma constatação empírica, mas resultado de uma pesquisa publicada pela revista científica Nature sobre como as pessoas reagem àquilo que tem um efeito individual ou coletivo. E, fazendo um paralelo à saúde pública, da mesma forma que vemos o entorpecimento coletivo em relação aos números de casos ou óbitos pelo novo coronavírus, esse comportamento se repete no que tange a dengue, zika e chikungunya. Se não as vivenciamos, nos esquecemos do perigo.
Pode parecer um pouco discrepante fazer uma comparação como essa, mas quando, antes da Covid-19, você leu notícias sobre o controle do Aedes aegypti nas redes sociais ou na mídia? Quais informações obteve sobre o zika vírus e os impactos nas vidas de mães e bebês com microcefalia? Provavelmente apenas quando a doença esteve perto, não?
Para promover a mudança, não podemos nos acostumar. É essencial ampliar a nossa visão, ter a ciência como aliada e a vontade de transformar realidades e práticas como parte do nosso dia a dia. Afinal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dengue grave, conhecida desde os anos 1950, hoje afeta a maioria dos países asiáticos e latino-americanos e é uma das principais causas de hospitalização e mortalidade de crianças e adultos — 5,2 milhões de casos foram identificados somente em 2019.
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Ao entendermos o comportamento do ecossistema em que estamos inseridos, as suas complexidades e a nossa responsabilidade frente a isso, podemos iniciar um importante movimento de educação e ação, voltado à conscientização de que não precisamos conviver com as doenças endêmicas transmitidas pelo Aedes aegypti que reemergem de tempos em tempos, mas atuar no controle do mosquito, ou seja, na sua causa.
Consórcios internacionais estão comprometidos com o desenvolvimento de soluções que utilizam métodos biotecnológicos similares aos aplicados na produção de vacinas para o coronavírus. De maneira simples, o próprio mosquito será a ferramenta para limitar a sua espécie, evitando as grandes infestações do Aedes aegypti de maneira segura.
A lógica é usar a biotecnologia para inserir um gene autolimitante no vetor (o
Podemos e devemos mudar a nossa forma de pensar e agir coletivamente. O fomento às descobertas é um caminho para um mundo melhor, que não cerceia o conhecimento. Pelo contrário, o transforma.
* Natalia Ferreira é doutora em biologia molecular e genética, pós-doutora em biotecnologia empresarial e diretora-geral da Oxitec do Brasil