Há tempos sabemos que o cigarro é o principal fator de risco para o câncer de pulmão. Felizmente, o número de fumantes diminuiu significativamente, sendo o Brasil um dos melhores exemplos internacionais de políticas públicas para a restrição do tabagismo.
Essas iniciativas estão entre aquelas que deram certo no país, e seu resultado pode ser mensurado não só em vidas salvas mas em centenas de milhares de reais economizados no tratamento de doenças como o câncer.
No entanto, outra cortina de fumaça nos amedronta atualmente, a dos cigarros eletrônicos. Não é difícil encontrar adeptos e defensores, dizendo até que eles são menos prejudiciais que o cigarro tradicional.
É urgente e necessário abrir as cortinas desse teatro para enxergar os personagens e perigos dessa história. Os cigarros eletrônicos têm se popularizado e ameaçam toda uma nova geração que não foi atingida pelas campanhas antitabagismo dos anos 2000.
A Anvisa manteve a proibição de comercialização e propaganda desses produtos, mas sabemos que eles são vendidos de forma clandestina em larga escala e a agência se comprometeu a aprimorar a fiscalização. O cigarro eletrônico não é mocinho, mas outro vilão: causa inflamações potencialmente graves nos pulmões e costuma conter nicotina (que leva à dependência) e várias substâncias nocivas diluídas no líquido inalado.
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Mas o nevoeiro tóxico ao organismo não se restringe ao cigarro. No congresso europeu de oncologia realizado há pouco em Paris, cientistas postularam o mecanismo que leva ao desencadeamento do câncer de pulmão em indivíduos expostos à poluição ambiental.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertava para a associação das partículas encontradas na fumaça produzida pela queima de combustíveis fósseis com a doença, mas agora o mecanismo de ação foi desvendado. E isso é crucial para abrir janelas à prevenção e ao tratamento em um momento mais inicial.
Em um estudo com quase meio milhão de pessoas de três países, pesquisadores do Francis Crick Institute and Cancer Research, na Inglaterra, descobriram que a exposição a concentrações elevadas de certos poluentes está ligada ao maior risco de câncer de pulmão com mutações no gene do EGFR — essa alteração é vista em metade das pessoas com a doença que nunca fumaram.
No laboratório, os cientistas observaram que as mesmas partículas promovem mudanças rápidas nas células das vias aéreas que apresentam mutação em dois genes ligados a esse câncer (o EGFR e o KRAS) e notaram que os poluentes ativam uma reação inflamatória capaz de impulsionar a expansão das células mutantes.
Esse elegante trabalho, um dos mais aclamados no congresso, comprova o papel da poluição como fator determinante para o câncer.
Ainda que tenhamos o que comemorar com a chegada de novos tratamentos para os tumores de pulmão — eles estão cada vez mais precisos e com benefícios expressivos —, atuar de forma preventiva e coibir a nuvem de fumaça produzida por escapamentos, chaminés e cigarros é a via mais inteligente para não deixar a chama do câncer acesa.
* Carlos Henrique Teixeira é oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP)