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A importância das muletas: uma reflexão pós-cirurgia do presidente Lula

Presidente afirmou que não deseja ser fotografado usando muletas, mas dispositivo é importante na recuperação

Por Rodrigo Kaz, cirurgião ortopédico
3 out 2023, 09h42
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  • Antes de se submeter à artroplastia do quadril, o presidente Luiz Inacio Lula da Silva afirmou que não queria ser fotografado usando muletas ou andador. Esse é um bom gancho para discutir tanto a importância da cirurgia quanto do uso de muletas em geral. 

    A cirurgia de colocação de prótese trata as articulações em que as cartilagens se desgastaram, deixando as superfícies de deslizamento das juntas ósseas em contato, situação que chamamos “osso no osso”, causando dores e limitação funcional. 

    Os candidatos são aqueles indivíduos que já passaram por todos os tipos de tratamentos conservadores, como fisioterapia, medicações e infiltrações, sem sucesso.

    A cirurgia consiste na substituição da parte gasta da articulação por uma superfície artificial, recapeando a superfície que causa dor e retomando a função e movimentos daquela articulação.

    + Leia também: Como é feita a cirurgia de prótese do quadril?

    Se olharmos para trás, houve épocas em que era preciso caminhar longas distâncias para realizar tarefas do dia-a-dia ou migrar rumo a novos territórios. E os indivíduos com artrose (desgaste articular) grave, idosos ou “incapacitados”eram deixados para trás, fadados a ficarem sozinhos, enquanto o resto da população jovem e saudável seguia o seu caminho.

    Até o século passado, ainda era comum que os avós ou bisavós parassem de andar devido às dores e ficassem somente na cadeira de balanço ou restritos às suas casas.

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    Com a evolução da medicina, controlamos as doenças crônicas e aumentamos em pelo menos 30 anos a expectactiva de vida da população. Isto levou a um aumento de casos de artrose, pois, com frequência, nossas articulações não vivem tanto quanto seus donos.

    História e evolução das próteses

    As primeiras tentativas de substituição articular datam de antes do século XX. Após diversos fracassos, os primeiros modelos de prótese semelhantes ao que temos hoje foram fabricados nos anos de 1930, na Europa.

    As próteses, principalmente de quadril e joelho, seguiram melhorando nos últimos 50 anos, com uso de novos materiais  — como metais e polietilenos ultrapolidos, além de cerâmica, que quase não têm atrito  — que aumentaram a sua durabilidade e conforto.

    Cirurgias com uso de robótica e tecnonologia com impressão 3D para customizar a prótese de cada paciente também já são uma realidade, e vêm tornando os resultados e a recuperação cada vez melhores.

    Hoje, a sensação para a maioria dos pacientes é de ter uma nova articulação praticamente normal.

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    Para ter ideia do impacto destas cirurgias na vida de quem opera, a artroplastia total do quadril é tida, juntamente com a cirurgia de correção de catarata, como uma das duas melhores cirurgias do século em termos de satisfação e melhora da qualidade de vida.

    Atualmente, queremos não só viver mais, mas também melhor e sem dores, com metas pessoais cada vez mais ousadas independente da idade.

    Demanda reprimida

    Infelizmente, o número de pessoas que necessitam de uma prótese é maior do que a capacidade do sistema privado e público. Estima-se que alguns milhares de pacientes aguardem estas cirurgias no SUS, em filas que podem demorar até 5 anos.

    O Ministério da Saúde estima que aproximadamente 28.000 cirurgias de quadril sejam realizadas até o final de 2023, número ainda insuficiente.

    O alto custo desta cirurgia, a necessidade de estrutura hospitalar e de equipe treinada traz um enorme desafio para gestores da saúde, que tentam encaixar os custos no orçamento do governo ou operadoras de saúde, frente a uma população que vem envelhecendo no Brasil e no mundo.

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    Mudanças de hábitos e incentivo a um estilo de vida mais saudável são fundamentais para ajudar os pacientes a não chegarem tão cedo a este estágio de desgaste. Promover ações para realização de atividades físicas, ter uma boa alimentação e controlar o peso são exemplos de medidas simples com ótimos resultados.

    Após instalada a artrose, o acesso à fisioterapia e programas de tratamento das dores são fundamentais, assim como uso de apoio com muletas ou bengalas, que podem tirar um pouco o peso sobre a perna afetada ao pisar e amenizar as dores.

    Voltando às muletas…

    A muleta no meio médico é um bastão que apóia no braço ou axila ajudando a quem tem dificuldade de andar.

    Nós, ortopedistas, estimulamos o uso de muletas em pacientes que têm dor, principalmente os idosos, ou aqueles que se recuperam de processos cirúrgicos.

    É uma ferramenta poderosa para que estes indivíduos possam ter autonomia e superar dificuldades para seguir em frente. Locomover-se, chegar mais longe, interagir com a sociedade… São conquistas para os pacientes que utilizam o milenar e agora modernizado “bastão”.

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    Culturalmente, no entanto, a muleta é vista por alguns no Brasil como coisa de gente decrépita, que está no final de sua jornada de vida. Assim, ainda há quem se recuse a usar.

    Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o respeito ao idoso e o estímulo à sua autonomia são algo muito mais consolidado, o uso de apoios para andar é habitual. É comum entrarmos em lojas de departamentos e nos depararmos como seções inteiras de bengalas, de diferentes cores e tipos.

    + Leia também: Velhos, Doentes, não! A nova cara e os desafios da velhice

    Em seu sentido figurado, a muleta significa aquilo que sustenta, ajuda, apóia e ampara. Precisamos de mais muletas, e que os seus usuários possam mostrá-las sem constrangimento.

    Espero que, depois da cirurgia, o presidente venha a público usando as suas muletas ou andador, evidenciando que todos nós, ricos ou pobres, famosos ou desconhecidos, envelheceremos e precisaremos de alguma muleta, física ou não.

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    Não escondamos nossas “muletas”: vamos levantá-las com orgulho, pois elas retratam nossa determinação em enfrentar os desafios da vida.

    * Rodrigo Kaz é médico, cirurgião ortopédico, diretor do Grupo Vitus e do Centro de Reumatologia e Ortopedia Botafogo

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