A Mãe Natureza é sábia: logo após o parto, o contato pele a pele entre o recém-nascido e sua progenitora é reconhecidamente benéfico para o bebê. A ciência assina embaixo. As primeiras duas horas depois do nascimento são consideradas um período crítico para, entre outras coisas, estimular e estabilizar a amamentação. Além de forjar o comportamento alimentar da criança, esse momento é decisivo para estimular o desenvolvimento infantil por meio do toque, do calor e de outras conexões com o corpo da mãe.
Em geral, as mamães e os filhotes ficam juntos do nascimento — ou depois de um curto período após o parto, se não houver qualquer contratempo — até a alta do hospital. As práticas usuais do contato pele a pele variam de acordo com o tipo de nascimento: no parto normal, costuma ser imediato; na cesariana, ele se dá cerca de meia hora após o nascimento.
Cientes da importância desse estreito contato com a cria e de olho em notícias divulgadas pela internet, algumas mães americanas levantaram uma polêmica ao pedir para adiar o primeiro banho do bebê. Isso aconteceu lá na maternidade do Hospital Hillcrest, que integra a prestigiada rede Cleveland Clinic, e despertou a atenção da enfermeira Heather DiCioccio, especialista em cuidados maternos e infantis.
Na verdade, vem crescendo o número de mulheres que querem adiar, pelas primeiras 12 horas após o parto, o banho da criança. Elas alegam ter lido conteúdos em blogs que consideram essa espera uma boa prática para o bebê e bem-vinda sobretudo para a amamentação — ainda que não expliquem muito bem o porquê.
Instigada pelo pedido e pelo assunto, Heather DiCioccio foi atrás de artigos científicos para entender se a fala das mães fazia sentido. Encontrou apenas um estudo feito nos Estados Unidos sugerindo que prorrogar o banho aumentava a taxa de amamentação exclusiva durante a estadia do recém-nascido no hospital.
Diante da curiosidade e da falta de pesquisas a respeito, a enfermeira montou um experimento científico com futuras mamães que se dispuseram a participar de forma voluntária. Para a felicidade de Heather e sua equipe, 996 mulheres toparam participar. Elas foram divididas em dois grupos: no primeiro, com 448 participantes, ocorreria o procedimento padrão do hospital, isto é, dar o primeiro banho até duas horas após o parto; no segundo, com 548 mulheres, seus filhos receberiam o primeiro banho só 12 horas depois do nascimento.
E, afinal, quais foram os resultados? A taxa de amamentação exclusiva — quando não é preciso complementar o aleitamento com fórmulas infantis — foi de 59,8% no grupo 1. No grupo 2, o índice pulou para 68,2%. Isso significa que, entre as adeptas do banho tardio, houve uma redução na necessidade de recorrer a fórmulas. Ponto para a amamentação exclusiva!
Qual a lógica?
Heather e os demais autores do estudo sugerem algumas explicações para o resultado observado. E, embora pareça lógico, o motivo nem sempre é biológico.
Primeiramente, devemos ter em mente que não é nada fácil para o bebê sair do conforto do útero materno. A descoberta do novo mundo gera estresse. E a criança chora porque é o que consegue fazer. Se soubesse falar, decerto xingaria muito.
É diante desse trauma do nascimento que vislumbramos o efeito positivo do contato pele a pele com a mãe. Os pesquisadores de Cleveland dão três justificativas para o fato de os bebês que não tomaram banho logo após o parto apresentarem uma maior taxa de amamentação exclusiva.
- O aumento do tempo de contato direto com a progenitora cria, por si só, condições mais favoráveis a um aleitamento adequado.
- O cheiro do líquido amniótico, que banhava o bebê no útero, lembra o do peito da mãe.
- Bebês que tomaram o banho tardio eram mais propensos a apresentar temperatura normal após passar pela água.
A respeito desse último tópico, Heather afirmou: “Eles não ficaram tão frios quanto as crianças que tomavam banho logo depois do parto. Então, pode ser que não estejam tão cansados para tentar mamar.” Esse ponto foi confirmado por outro estudo do tipo, esse feito em Dallas, também nos Estados Unidos.
Implicações & reflexões
A pesquisa sobre o primeiro banho do bebê nos remete a alguns assuntos quentes nos dias de hoje: o que é fake news e o que não é no meio da saúde, como um procedimento ou costume pode ser testado e confirmado e quais os requisitos para confiar em um trabalho científico.
Veja que curioso: para um estudo ser considerado cientificamente adequado, precisamos conseguir falsear o mesmo. Em outras palavras, precisamos pelo menos propor experimentos capazes de provar que o estudo vai dar errado. Cada vez que falhamos em provar que a pesquisa está equivocada, chegamos mais perto de como as coisas podem ser de fato. Se você jogar uma maçã e ela “cair” pra cima, conseguiu falsear a Lei da Gravidade — só tome cuidado com a experiência, por favor.
No caso dos bebês que tomaram o primeiro banho apenas após 12 horas, como poderíamos falsear a hipótese de que isso é realmente benéfico? Talvez a melhor opção fosse uma experiência com gêmeos. Ora, estudos do gênero minimizam muito a influência dos genes na história. Acompanhe o raciocínio: uma mesma mãe que teve gêmeos entraria para o estudo, um de seus bebês tomaria banho duas horas após o parto, enquanto o outro ficaria com ela e tomaria banho só 12 horas depois.
No cenário ideal, isso teria de ser repetido no maior número de mães de gêmeos possível. Tudo para evitar resultados do acaso. Se não houvesse diferenças entre os gêmeos, outras pesquisas poderiam ser concebidas a fim de identificar as variáveis que influenciam o desfecho. Afinal, o que interfere nessa história? Até que ponto o ambiente socioeconômico, tipo e local do parto, a saúde materna… se intrometem nos resultados? Como tudo isso se relaciona com os achados da enfermeira Heather DiCioccio?
Os próprios autores do estudo de Cleveland já discutem isso e destacam que os resultados ali não foram replicados em outros centros hospitalares que já apresentavam uma alta taxa de amamentação exclusiva.
Portanto, não dá pra dizer que o banho tardio é o único fator a ditar o sucesso do aleitamento exclusivo. Todo mundo quer recomendações milimetricamente exatas — ainda mais quando o assunto é a saúde do filho —, mas só dá para confiar nelas quando a ciência, após exaustivas tentativas, indica um caminho ou dá seu veredicto.
Nem tudo compartilha da lógica da causa e efeito, como já debatemos por aqui. Assim, não dá para tirar conclusões precipitadas nem de artigos científicos muito menos de conselhos distribuídos pelos blogs e pelas redes sociais.
* Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science na cidade de São Paulo, além de editor-assistente da Revista Questão de Ciência, do Instituto Questão de Ciência