O que Lady Gaga e Morgan Freeman têm em comum?
Eles e milhões de outras pessoas no mundo sofrem com uma doença crônica que provoca dores generalizadas no corpo

Em 2017, uma notícia de saúde ocupou espaço na cobertura jornalística do Rock in Rio daquele ano: a fibromialgia, que fez Lady Gaga cancelar sua apresentação.
Caracterizada por dor generalizada, que afeta músculos e articulações, mas sem sinais típicos de inflamação, como inchaço ou calor local, a doença não tem cura. Mas pode ser tratada e controlada, como mostrou a mesma cantora em seu show no começo de maio, que lotou a praia de Copacabana.
Outros famosos diagnosticados com fibromialgia, como Morgan Freeman e Deborah Blando, têm divulgado sua condição, ajudando a lançar luzes sobre uma enfermidade ainda pouco conhecida do público em geral.
Além da dor, é comum que os pacientes apresentem outros sintomas, como dor de cabeça, insônia ou sono não reparador, fadiga extrema, intolerância ao exercício físico, além de dificuldades de concentração e memória, o que compromete significativamente a qualidade de vida e limita as atividades do dia a dia, especialmente nos casos mais graves.
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Estima-se que a fibromialgia afete entre 2% a 4% da população mundial (o que significa algo entre 16 a 32 milhões de pessoas).
A doença, porém, é frequentemente subdiagnosticada, uma vez que seus sintomas podem ser confundidos com outras condições clínicas, além de muitas vezes serem minimizados ou atribuídos a causas emocionais. A maior incidência é entre mulheres de meia-idade, embora possa ocorrer em qualquer faixa etária e também em homens, como mostra o caso de Freeman.
Suas causas ainda são pouco conhecidas, mas acredita-se que a doença seja multifatorial. De acordo com o Dr. Ari Halpern, reumatologista do Einstein, estudos apontam para uma predisposição genética, somada a gatilhos como situações de estresse intenso, infecções virais, traumas físicos ou emocionais.
Segundo ele, um dado interessante surgiu durante a pandemia. Muitos pacientes, particularmente os que desenvolveram um quadro de covid prolongada, apresentaram sintomas semelhantes aos da fibromialgia, reforçando a hipótese do papel das infecções virais como possíveis gatilhos em parte dos portadores da doença.
Outro aspecto interessante citado pelo especialista diz respeito aos mecanismos fisiológicos que levam aos sintomas da enfermidade.
Eles também não são totalmente conhecidos, mas apontam para um papel importante do sistema nervoso central, com uma desregulação no controle da dor que faz com que pacientes com fibromialgia tenham uma percepção aumentada dos sintomas dolorosos. Pesquisas também têm encontrado algumas evidências relacionadas a alterações imunológicas e da flora intestinal.
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O diagnóstico da fibromialgia é clínico, com base no histórico do paciente e exame físico. Exames podem ser solicitados, mas apenas com o objetivo de descartar a possibilidade de outras doenças que causam dor.
Como é feito o tratamento da fibromialgia?
O tratamento é multidisciplinar e deve ser adaptado às necessidades de cada paciente.
O foco principal é a abordagem não medicamentosa, envolvendo principalmente exercícios físicos leves realizados com regularidade, como caminhadas e alongamentos, uma boa higiene do sono e acompanhamento psicológico. Também é essencial a educação do paciente sobre a natureza da doença, como lidar com os sintomas e o manejo realista das expectativas.
Medicamentos têm papel complementar, indicados apenas em casos mais graves e que não respondem satisfatoriamente às medidas não farmacológicas.
A escolha depende dos sintomas de cada paciente, podendo incluir analgésicos, relaxantes musculares, antidepressivos e anticonvulsivantes com ação analgésica central.
É importante destacar que medicamentos como corticoides, anti-inflamatórios não hormonais e opioides não são recomendados para o tratamento da fibromialgia, devido à baixa eficácia e ao risco de efeitos adversos significativos.
A doença não tem cura, porém não se trata de uma enfermidade progressiva. Os sintomas tendem a se manter razoavelmente estáveis. Embora não seja completamente prevenível, pode ajudar a reduzir o risco a manuteção de hábitos de vida saudáveis, como uma rotina de exercícios físicos e um sono de qualidade.
Atualmente, existem muitas pesquisas em andamento, inclusive no Einstein, buscando entender melhor os mecanismos que causam a fibromialgia e que poderiam ser mais bem controlados com remédios ou tratamentos não medicamentosos.
Segundo o Dr. Halpern, os estudos mais recentes indicam que a doença é mais heterogênea do que se imaginava, com diferentes fatores atuando de forma distinta em cada paciente. Portanto, o tratamento do futuro da fibromialgia será mais individualizado.
Entre os estudos em andamento, ele destaca os relacionados com microbioma intestinal, os que envolvem pacientes com a síndrome da covid longa e os que buscam elucidar de forma mais precisa o papel da interação entre os sistemas nervoso, metabólico e imunológico.