Para aproveitar o Carnaval com segurança, uma das principais recomendações é usar preservativo, que previne doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Embora não tão comentada, a mais comum dessas infecções é desencadeada pelo Papilomavírus humano (HPV), que invade pele e mucosas e pode provocar câncer. Mas vale lembrar que a camisinha é só uma das formas de se prevenir essa enfermidade.
Na realidade, uma das maneiras mais eficazes e seguras de prevenção primária começa com a vacinação contra o HPV em meninas e meninos, antes de se tornarem sexualmente ativos. Dos mais de 150 tipos diferentes de HPV, 40 podem contaminar a região genital e provocar tumores malignos, e os principais deles são combatidos com duas doses de uma vacina disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma pesquisa feita em 2018 pelo Ministério da Saúde e um hospital de Porto Alegre apontou que mais da metade da população brasileira entre 16 e 25 anos carrega o HPV no corpo. Entre esses jovens, 38,4% apresentam tipos do vírus de alto risco para o desenvolvimento de câncer (chamados de HPVs oncogênicos). Esse vírus provoca principalmente tumores do colo do útero, mas também de vagina, vulva, ânus, pênis e orofaringe (na região da boca e da garganta).
A incidência do câncer de colo do útero é considerada alarmante pelos profissionais da saúde. Em mais de 90% das vezes, ele está relacionado com a infecção por HPV, que é evitável. A doença registra mais de 16 mil novos casos por ano no Brasil — em média, quatro a cada dez pacientes morrem em decorrência do quadro, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Pensando nisso, algumas sociedades médicas e grupos de apoio a pacientes com câncer fundaram o Movimento Brasil Sem Câncer de Colo do Útero. A iniciativa é do EVA – Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos, alinhada com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que defendem uma abordagem integral para prevenção e controle da doença.
O principal objetivo é eliminar o câncer de colo uterino como problema de saúde pública no Brasil. O grupo quer dialogar especialmente com mulheres de 25 a 64 anos, que são candidatas ao rastreamento por meio de exames, e com os pais de crianças e adolescentes dentro da faixa etária indicada à vacinação contra o HPV.
Entre os assuntos primordiais do grupo está a volta das campanhas de vacinação dentro das escolas. Ora, em 2014, quando a vacina do HPV começou a ser ofertada pelo SUS, a adesão foi de cerca de 90% do público-alvo. Hoje, com a vacinação sendo realizada apenas nos postos de saúde, ela caiu para menos de 60% entre as meninas e abaixo dos 25% nos meninos.
Como a maioria dos pais trabalha fora e ir aos postos de saúde (que só costumam funcionar em horário comercial) exige uma logística mais complexa, ao aplicar a vacina no ambiente escolar, a adesão deve subir novamente. Isso permitirá que a recomendação da OMS de imunizar ao menos 80% das meninas com as duas doses seja cumprida. A ideia é que, protegendo nossos jovens agora, a prevalência dessa infecção e, consequentemente, dos tumores causados por ela, diminua nas próximas décadas.
Outra luta envolve a realização dos exames de rastreamento, como o Papanicolau, que deve ser feito periodicamente pelas mulheres. Como o câncer de colo do útero apresenta poucos sintomas em seus estágios iniciais, é fundamental que as mulheres não só façam os exames, como retornem ao médico para pegar os resultados.
Mais de 6 mil mortes por ano poderiam ser evitadas se estivéssemos fazendo a prevenção adequada. Quando diagnosticado precocemente, o câncer de colo do útero tem alta chance de cura.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), que faz parte do Movimento Brasil Sem Câncer de Colo do Útero, está empenhada em disseminar informações de qualidade sobre a doença, a fim de dar ainda mais força para a iniciativa. É fundamental que a prevenção e o controle do câncer de colo uterino se tornem prioridade em nosso país, com a implementação de ações para aumentar a cobertura vacinal contra HPV em meninos e meninas, além da criação de estratégias para otimizar rastreamento e tratamento de lesões precursoras do câncer.
*Por Dra. Karime Kalil, oncologista do Comitê de Tumores Ginecológicos SBOC