Estamos finalizando o Julho Verde, mês de conscientização sobre tumores nas regiões de cabeça e pescoço, que, apesar de serem pouco visados, estão em 5º lugar na lista de incidência entre homens e mulheres. Neste ano, eles devem representar 7,9% dos novos casos de câncer estimados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Infelizmente, três em cada quatro pacientes são diagnosticados já em estágio avançado, e alguns motivos são determinantes aqui: esses tumores usualmente apresentam crescimento rápido, os sintomas são inespecíficos e, frequentemente, desvalorizados pelos pacientes logo no início, além das limitações da rede básica de atenção à saúde. Sem falar no próprio desconhecimento sobre o câncer nessas áreas do corpo. Dessa maneira, nosso trabalho para alertar a população deve ser constante.
Os tumores mais comuns nessas regiões são os da orofaringe (cavidade oral) e da laringe. Mas é importante ressaltar que a área que chamamos de cabeça e pescoço é composta por várias estruturas diferentes. Algumas delas são facilmente visualizadas, como lábios, gengiva, língua e amígdalas. Outras, nem tanto, a exemplo de laringe, faringe e seios da face – não à toa, precisamos da ajuda de equipamentos para avaliá-las.
Para flagrar o quadro o quanto antes, é crucial ter atenção aos seguintes sintomas: dor ou dificuldade ao engolir, caroços que surgem na região do pescoço, feridas que não cicatrizam ou sensação de irritação constante. Se sentir algo assim e perceber que não há melhora em um intervalo de duas ou três semanas, busque um profissional de saúde o mais rápido possível.
Caminhos para a prevenção
É fundamental termos a noção de que certos hábitos no nosso dia a dia aumentam a probabilidade de desenvolvermos algum tipo de doença. Assim, conseguimos fazer a nossa parte quanto à prevenção.
No caso dos tumores de cabeça e pescoço, os fatores de risco mais importantes são o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, abandonar o cigarro e evitar o excesso de álcool (especialmente cachaça, uísque, vodca e outros tipos com alto teor alcoólico) são as principais ações para se proteger de tumores dessas regiões.
Agora, é essencial lembrar que todos nós apresentamos um risco basal de termos qualquer doença. Isso significa que, mesmo na ausência dos fatores de risco clássicos, os sintomas mencionados anteriormente precisam ser valorizados e avaliados da mesma maneira.
O diagnóstico e seus desafios atuais
Esse conjunto de tumores pode ser confirmado com o auxílio de exames relativamente simples, incluindo ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética da região de face e pescoço, além de biópsias de lesões superficiais. Tais procedimentos costumam ser suficientes para permitir à equipe médica recomendar os tratamentos necessários.
Uma fonte de preocupação atual é a pandemia do novo coronavírus e o receio da população em manter rotinas de consultas e exames. Em relação aos cânceres de forma geral, incluindo aí os da região de cabeça e pescoço, estima-se que haverá um aumento no número de casos identificados só em estágio mais avançado, diminuindo, portanto, as chances de cura.
O tratamento também deve ser afetado, já que a infraestrutura de saúde teve que ser disponibilizada para o cuidado dos pacientes contaminados pelo coronavírus em situação grave. Tratamentos de radioterapia ou cirurgias tiveram que ser postergados, e ainda não é possível avaliar a dimensão do impacto negativo em decorrência dessas mudanças.
A recomendação dos especialistas é clara: é necessário manter a rotina de exames preventivos e procurar um médico caso haja algum dos sintomas já citados. Basta seguir todos os protocolos de segurança e higiene. Reforço: quanto mais precoce é o diagnóstico, maior a chance de cura do paciente.
As boas notícias
Partindo para o lado positivo: há boas perspectivas tanto em termos de prevenção como de tratamentos. Mais recentemente, começamos a aprender que a infecção pelo HPV (o mesmo vírus causador do câncer do colo uterino) está associada com o aumento da incidência de câncer de orofaringe, por exemplo. Logo, acreditamos que a vacinação contra o HPV, amplamente disponibilizada no nosso país, possa ajudar a reduzir os casos desse tipo de câncer no futuro. Ou seja, é possível, sim, atuar na prevenção da doença.
Já para tratar esse paciente com câncer de cabeça e pescoço, uma das maiores novidades é a imunoterapia. São medicamentos que usam o sistema imunológico do próprio paciente para combater as células tumorais. Essa estratégia tem se mostrado mais efetiva que a quimioterapia convencional para reduzir o tumor e mantê-lo sob controle por mais tempo.
Novidades também surgem no campo da radioterapia, em que as técnicas mais recentes conseguem diminuir a área de irradiação e, com isso, minimizar os efeitos colaterais do tratamento – sem perder a eficácia.
Devemos perseverar e fazer com que o Julho Verde tenha a mesma atenção e visibilidade que campanhas mais antigas, como o Outubro Rosa e o Novembro Azul. Afinal, só uma sociedade bem informada tem maior capacidade de lutar contra uma doença tão complexa e grave como o câncer, incluindo os da região de cabeça e pescoço.
*Dr. Augusto Mota é oncologista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e Coordenador do Comitê de Tumores de Cabeça e Pescoço.