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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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O que está ocorrendo com a vacina Sputnik V?

Controvérsias a respeito do imunizante russo ainda brecam sua aprovação no país. Nosso colunista desvenda as origens e os impasses dessa história

Por Paulo Eduardo Brandão
Atualizado em 18 Maio 2021, 11h02 - Publicado em 17 Maio 2021, 18h28

Em 4 de outubro de 1957, um foguete lançado do Cazaquistão deixou a Terra portando o primeiro satélite artificial do planeta, batizado de Sputnik 1. Era uma pequena esfera com antenas projetadas que carregava um transmissor de sinais e circulava pelo globo. O evento gerou admiração e desconfiança, pois, ao mesmo tempo que era uma revolução científica e acelerava a corrida espacial, parecia despertar o medo nas pessoas em função dos usos bélicos da tecnologia.

Quatro anos antes, em células de tonsilas faringianas — um tecido parecido com as amídalas que se localiza atrás do nariz —, foi encontrado um novo vírus, denominado adenovírus, cujo nome veio do outro nome dessas tonsilas, adenoides. Um adenovírus é uma pequena esfera com antenas projetadas que carrega um DNA. Ele transmite sinais ao núcleo das células infectadas para, numa fase inicial, produzir proteínas para o vírus replicar seu genoma e, num segundo momento, montar as peças das novas partículas virais.

O genoma dos adenovírus, como se mostrou posteriormente, pode ser editado por biotecnologia para removermos genes e inserirmos outros pedaços de DNA que nada têm a ver com o vírus original. Assim, conseguimos mudar o que ele é capaz de carregar para dentro das nossas células. Isso gerou admiração e desconfiança, pois, ao mesmo tempo que permitia o desenvolvimento de terapias gênicas e vacinas, parecia despertar o medo de que a infecção pelo adenovírus manipulado pudesse ser agressiva a quem o recebesse ou utilizada como arma biológica.

Em seres humanos, os adenovírus naturais causam resfriados, conjuntivites e diarreias, mas, em pacientes com a imunidade comprometida, o que era uma infecção branda pode se tornar algo mais profundo e letal. As vias de transmissão são as mesmas do coronavírus. Mas há uma diferença: ao contrário do agente da Covid-19, os adenovírus não têm um envelope, o que lhes permite resistir mais tempo no meio ambiente.

Com a Covid-19 circulando pelo globo, a tecnologia de manipulação de adenovírus foi rapidamente colocada em teste e, posteriormente, em uso. Os cientistas empregaram a seguinte receita:

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  1. Inativaram os genes do adenovírus que fazem o vírus se replicar;
  2. Inseriram nele o gene da proteína de espícula do coronavírus que faz com que a gente produza anticorpos neutralizantes contra a doença.

Sim, é como brincar de lego num mundo microscópico.

Há duas vacinas atuando agora com essa tecnologia: a Vaxzevria (AstraZeneca/Oxford) e a Sputnik V (Gamaleya). A primeira se vale de adenovírus de chimpanzés como vetor do gene de espícula e a segunda usa dois diferentes adenovírus humanos.

Esses vírus manipulados não conseguem se multiplicar quando lançados em nosso organismo e só expressam a tal proteína de espícula do coronavírus. Mas há uma brecha no sistema: adenovírus usados como satélite para carregar o gene podem recuperar sua capacidade de se replicar por meio de recombinações. Se isso acontecer, o adenovírus poderia voltar a ser patogênico.

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Esse é o impasse em que se encontra a Sputnik V no Brasil. O instituto russo Gamaleya, que desenvolveu e produz a vacina, precisa explicar de um modo mais simples à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) se possui evidências de que seu vetor feito de adenovírus inativado não é capaz de readquirir a capacidade patogênica. E a agência, por sua vez, precisa manter seu papel de aprovar um imunizante apenas se ele for seguro com base nas evidências.

O programa de vacinação brasileiro contra a Covid-19 anda no mesmo passo lento do Programa Espacial Brasileiro e pelos mesmos motivos: falta de investimento e de visão voltada ao futuro. Quanto menos vacinas tivermos, mais pessoas vão adoecer e morrer. Quanto menos vacinas, mais variantes de coronavírus vão surgir. Quanto mais variantes, maior risco de que as vacinas no futuro não funcionem. Simples assim: não é nenhuma “ciência de foguetes”.

Em A Morte de Ivan Ilitch (Editora 34 – clique para comprar), o escritor russo Liev Tolstói descreve como uma pessoa que tinha segurança em seu futuro acaba morrendo após repentinamente adoecer. É uma história profundamente perturbadora sobre a vida e a morte. Uma história que não deveria se repetir com as milhares de vítimas da Covid-19 — muitas delas por falta de vacinas.

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