Passaporte de vacinação nasce cercado de dúvidas éticas
Expediente em desenvolvimento mundo afora pode gerar mais discriminação e desigualdade de oportunidades, argumenta professor
Os certificados digitais de vacinação já estão em franco desenvolvimento, em especial nos países que estão avançados no processo de imunização. Nascido para facilitar as viagens, o passaporte da vacinação contra a Covid-19 surge cercado de dúvidas éticas, logísticas e até jurídicas.
Mesmo porque já existe a ideia de usar o documento para permitir o acesso apenas dos vacinados a locais de grande circulação como academias, salas de concertos, restaurantes, cinemas, pubs e shoppings. A medida imediatamente espalhou no mundo a desconfiança de que o certificado seja mais um catalisador de discriminação social, causando protestos no Reino Unido, na Dinamarca, nos Estados Unidos e na União Europeia.
Muitos dos projetos de passaportes de imunização gravitam em torno de aplicativos de smartphone, o que é uma temeridade — até nos Estados Unidos uma em cada cinco pessoas não possui esse tipo de aparelho. No Brasil, onde o Ministério do Turismo já projeta um embrião de passaporte vacinal, sempre haverá uma torrente de questões difíceis.
Por exemplo: o que acontecerá se cidadãos das periferias precisarem mostrar que foram vacinados para entrar em um supermercado, farmácia, shopping ou num ônibus interestadual e isso não for algo que seu telefone móvel seja capaz de prover? O abismo pode ir muito além do celular: e se as pessoas não forem alfabetizadas? E se tiverem motivos reais pelos quais ainda não foram vacinadas?
Ainda que tudo isso tenha conciliação em algum momento, e certamente terá, emergem também as perguntas técnicas: onde estão os dados de vacinação? Como eles podem ser compartilhados? Como acessá-los em países de baixa estrutura tecnológica pública? Como essas nações poderão assegurar a segurança e a privacidade dos dados vacinais?
Na realidade, o passaporte da vacina caiu de “para-quedas” em todos os países. Sua existência vem repleta de dúvidas conceituais que precisariam de uma quadra de maturação, um tempo que a sociedade de 2021 não tem. Está claro que ele será implantado, mas não está claro como vai superar as questões discriminatórias.
* Guilherme Hummel é coordenador científico do HIMSS Hospitalar Forum e da 1ª Digital Journey by Hospitalar e head mentor do eHealth Mentor Institute (EMI)