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Como garantir que vacinas e tratamentos para a Covid-19 sejam acessíveis

Dois advogados discutem de que forma as patentes de remédios e vacinas contra o coronavírus podem impactar no controle da pandemia

Por Calixto Salomão Filho e Vitor Henrique Pinto Ido, advogados*
Atualizado em 17 ago 2020, 14h35 - Publicado em 17 ago 2020, 11h56

Uma reação adequada à pandemia do novo coronavírus no Brasil depende da garantia de que quaisquer vacinas, tratamentos, testes e equipamentos médicos (cientificamente seguros e eficazes) estejam disponíveis a preços acessíveis e transparentes. Para tanto, é preciso assegurar que barreiras geradas por propriedade intelectual não impeçam o acesso à população. Sim, precisamos falar das patentes.

De maneira geral, uma patente confere um monopólio temporário de um novo produto ou processo produtivo a seu titular. No setor farmacêutico, ela impede a fabricação de genéricos a preços mais acessíveis e em escala maior por um período específico. Se tivermos uma vacina contra a Covid-19 segura e eficaz, uma limitação dessas implicaria um risco adicional de milhares de mortes e um atraso significativo em qualquer tentativa de retomada econômica.

Diante da urgência imposta pela pandemia, uma medida importante é a possibilidade de emitir licenças compulsórias. Trata-se de permitir a todos os concorrentes o uso da patente em troca de uma remuneração ao titular da mesma. Ou seja, a farmacêutica que criou a vacina receberia dinheiro pela inovação e liberaria a tecnologia para outras empresas também fabricarem as doses.

Essa autorização aumentaria a oferta de produtos no mercado, reduzindo preços e expandindo o acesso. No Brasil, um projeto de lei suprapartidário (PL 1462/2020) está em trâmite para facilitar as licenças compulsórias em tecnologias voltadas para Covid-19. A ideia foi proposta por parlamentares de variados espectros políticos, em raríssima comunhão de esforços.

Não deve haver surpresa na iniciativa. Além de explicitamente previsto como um instrumento legítimo pelo direito internacional, incluindo o Acordo TRIPS (que regula a propriedade intelectual) e a Declaração de Doha sobre Saúde Pública (2001), esse recurso está na ordem do dia ao redor do mundo. Canadá e Alemanha reformaram suas legislações para facilitar o licenciamento compulsório sobre tecnologias que envolvem o novo coronavírus. Já Israel emitiu uma licença compulsória para importar o medicamento Kaletra, então investigado como possível tratamento. Chile e Equador aprovaram resoluções parlamentares sobre o tema. E esses são só alguns exemplos.

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Na última Assembleia Mundial da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), em maio, uma resolução unânime sobre resposta à Covid-19 foi aprovada. Ela se referia à necessidade de acesso equitativo a medicamentos. Na mesma ocasião, vários países (industrializados e em desenvolvimento) defenderam a necessidade de tratar os produtos médicos necessários ao combate à Covid-19 como “bens públicos globais”, livres de patentes. A OMS também criou, após uma proposta da Costa Rica, um repositório voluntário para patentes e informações sobre tecnologias relevantes.

O PL brasileiro está também em plena concordância com as regras do direito internacional. Ele não representa qualquer expropriação — pelo contrário, garante remuneração adequada (não monopolista) aos detentores de patentes. A empresa titular pode ainda continuar a vender seus produtos, estimulando maior concorrência. Como recentes pesquisas têm revelado, é o ativismo coerente (e não uma proteção sem limites a patentes) que mais impulsiona bons níveis de suprimento de mercado a preços justos. O exemplo da Índia é bastante relevante nesse aspecto.

Mais do que tudo, é preciso fazer valer o direito à saúde previsto na Constituição (Art. 6o e Art. 196, CF) e notar que o combate adequado à pandemia é pressuposto para o bom funcionamento da ordem econômica (Art. 170 e Art. 3o, CF). Nesse sentido, a aprovação do projeto de lei é necessária e adequada.

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Finalmente, também é preciso assegurar condições para a manufatura nacional. Isso envolve a valorização de instituições públicas como a Fiocruz e o Instituto Butantã, a disponibilização de investimentos para a transformação industrial de fábricas e a garantia de uma transferência de tecnologia adequada. Mas, sem o acesso a tecnologias protegidas por patentes, tais medidas são insuficientes na contenção da pandemia.

Por décadas, o Brasil assumiu um protagonismo internacional em matéria de acesso a medicamentos. A crise do HIV/AIDS mostrou como barreiras patentárias contribuem para impedir o acesso a milhões de pessoas ao redor do mundo. Nosso país se destacou como um exemplo internacional louvável por seu tratamento universal e público.

Infelizmente, enquanto a pandemia atual continuar a ser negligenciada, seguiremos como um exemplo negativo de resposta de saúde pública. E mais: reproduziremos a lógica histórica da desigualdade brasileira, afetando os mais vulneráveis de maneira inaceitável. Garantir o acesso universal a medicamentos essenciais para combater o coronavírus é um mínimo necessário para evitar uma catástrofe ainda maior.

*Calixto Salomão Filho é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Vitor Henrique Pinto Ido é doutorando em direitos humanos pela Faculdade de Direito da USP e pesquisador do South Centre (Genebra)

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