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A saúde de migrantes e refugiados no contexto da pandemia do coronavírus

Há fatores que tornam essas populações mais vulneráveis à Covid-19 e suas complicações. Três especialistas discutem o que fazer para amenizar o problema

Por Ana Elisa Bersani, Alexandre Branco Pereira e Andressa Castelli*
Atualizado em 8 jul 2020, 15h11 - Publicado em 8 jul 2020, 10h30

No contexto atual da pandemia do novo coronavírus, questões relacionadas aos migrantes e refugiados e sua interface com a saúde ganham destaque. Ora, as políticas de combate à crise sanitária têm afetado diretamente as migrações internacionais, restringindo fluxos de mobilidade humana, e fomentado violações dos direitos dessas populações.

Os entraves à migração regular e segura impostos pelo fechamento de fronteiras são, sem dúvida, pontos críticos no que diz respeito à precária situação desses grupos. Porém, não são os únicos. A pandemia vem, por exemplo, agravando expressões de xenofobia motivadas pela associação entre o “estrangeiro” e a doença, traço que acompanha a história das epidemias e reforça a discriminação à qual essas pessoas normalmente já estão submetidas.

Os dados recentes sobre o avanço do coronavírus no mundo também demonstram que a crise global de saúde exacerba desigualdades sociais de renda, raça e gênero, impactando as pessoas diferentemente. As condições de trabalho e moradia, o acesso à informação e ao cuidado médico, a existência de políticas públicas e de redes de proteção, tudo isso determina a vivência que cada um durante o momento atual.

Nesse sentido, a vulnerabilidade que marca a condição social das pessoas migrantes, refugiadas e deslocadas também faz com que elas sejam afetadas de forma desproporcional. Imagine a tragédia à que estão submetidos aqueles que se encontram nos centros de recepção e campos de refugiados, caso haja um surto de Covid-19 entre os abrigados. Há pessoas em campos de detenções fechados sem condições de cumprir as medidas de distanciamento social recomendadas e sem acesso a itens básicos de higiene, como sabonete e água potável.

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A preocupação relacionada à forma como essa população está sendo afetada não se refere apenas a essas situações, infelizmente. Em grande medida, migrantes se inserem no mercado de trabalho dos países de residência de forma informal. E, quando formalizados, na maioria das vezes executam trabalhos considerados essenciais (nas áreas de limpeza, produção agrícola e alimentícia, construção civil etc) de forma precarizada. Ou seja, são funções supostamente menos qualificadas que não necessariamente garantem condições dignas. Resultado: eles ficam mais expostos ao vírus e têm condições menos adequadas para manutenção de sua saúde física, mental e econômica.

Além disso, muitos migrantes habitam em moradias pequenas e precárias, compartilhadas com um grande número de pessoas, o que compromete a possibilidade de isolamento e os deixa mais expostos ao novo coronavírus. No mais, a desinformação, agravada pela barreira da língua (sobretudo para aqueles recém-chegados) e o medo de acessar os serviços públicos (em especial para aqueles que se encontram indocumentados) são outros entraves comuns ao acesso à saúde.

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Existem, portanto, singularidades relacionadas à trajetória de deslocamento e às condições de vulnerabilidade dos migrantes e refugiados que têm um efeito perverso. Sim, eles são impactados de forma ainda mais dura pela pandemia (junto a outros grupos historicamente mais vulneráveis).

No entanto, reconhecer os determinantes sociais dessas populações não significa reduzir a individualidade de cada migrante a esses aspectos. O adjetivo “vulnerável” não resume, de maneira nenhuma, as múltiplas trajetórias dessas pessoas, profundamente marcadas por práticas de resistência, resiliência e solidariedade.

As vivências e saberes que elas carregam consigo podem apontar caminhos para todos nós que sofremos nesse momento de crise. Assim como os migrantes em deslocamento, nós estamos diante do desconhecido. Isso nos convida a uma transformação não apenas dos hábitos, mas a uma reinvenção dos arranjos sociais como um todo.

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Em uma pandemia, a primeira conclusão é a de que não é suficiente considerar o cuidado em saúde como algo exclusivamente individual. Nossa responsabilidade, em um período pandêmico, transcende a diligência com ritos de higiene, ou a observação do uso de equipamentos de proteção individual. É urgente compreender que, durante surtos de agentes altamente infecciosos, nós somos chamados, enquanto sociedade, a colaborar para que todos estejam devidamente resguardados. Só estaremos individualmente seguros na medida em que estivermos coletivamente seguros. E, enquanto houver pessoas sujeitas ao contágio pelo coronavírus e aos seus efeitos, todos nós estaremos vulneráveis.

Só que, para melhorar a condição dos migrantes e refugiados durante a pandemia, é preciso, antes de mais nada, enxergá-los. Nesse sentido, a Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados, coletivo da sociedade civil organizada, vem alertando para a ausência de dados públicos sobre o impacto da Covid-19 nessa população no Brasil. A inclusão da informação sobre a “nacionalidade” nos registros do Ministério da Saúde é uma medida fundamental para que saibamos como essas populações vêm sendo afetadas pelos acontecimentos recentes.

Hoje, por exemplo, não é possível responder questões básicas que norteariam a elaboração de políticas públicas. Quantos imigrantes e refugiados contraíram a doença? Não sabemos. Quantos faleceram em decorrência da Covid-19? Também não. Nós desconhecemos até os locais onde os migrantes têm buscado atendimento, se possuem mais comorbidades ou quais comunidades nacionais apresentam maior taxa de letalidade.

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Assim, nossa Rede tem defendido a obrigatoriedade da informação das nacionalidades dos imigrantes e refugiados e sua divulgação desagregada nos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde como primeiro passo para que possamos elaborar respostas que ajudem a mitigar as questões que afligem essa população. Produzir dados é produzir cuidado — e tal produção deve ser ancorada no combate à invisibilidade do sofrimento de grupos sociais mais vulneráveis.

Outra iniciativa importante levantada pelos próprios coletivos de migrantes no Brasil pede a regularização imediata daqueles residentes no país, a exemplo de campanhas levadas a cabo em outros países, como a Espanha, através da #RegularizaçãoJá. O movimento, que congrega mais de mil organizações em defesa dos imigrantes mundo afora, demanda a regularização imediata e sem condições para todos os migrantes como forma de aplacar, ao menos em parte, as agruras vivenciadas por essas populações em mobilidade.

A chamada indocumentação aprofunda a desigualdade de acesso ao cuidado em saúde. Ainda que o SUS tenha enquanto diretriz o atendimento universal independente da posse de documentos — como é frequentemente o caso, por exemplo, da população de rua —, imigrantes sem registros deixam de ir aos postos por receio de sofrer sanções em decorrência dessa carência. Portugal, ainda em março, mostrou o caminho, regularizando coletivamente todos os imigrantes e refugiados no país como medida de saúde pública.

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Endereçar necessidades específicas de imigrantes e refugiados durante essa pandemia não é, como se pode equivocadamente pensar, criar desigualdades de tratamento. Pelo contrário: é respeitando o princípio da equidade (que prevê que devemos receber cuidados diferentes na medida de nossas diferenças) que conseguiremos contemplar os objetivos da parcela mais ampla da sociedade. Só assim, iguais em nossa diferença, atravessaremos esse momento difícil com o menor sofrimento possível.

*Ana Elisa Bersani é doutoranda em antropologia social pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), pesquisadora associada do CEMI-Unicamp (Centro de Estudos em Migrações Internacionais), colaboradora no Programa de Psiquiatria Social e Cultural do IPq-HCFMUSP e membro da coordenação da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados.

Alexandre Branco Pereira é doutorando em antropologia social pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), pesquisador do LEM-UFSCar (Laboratório de Estudos Migratórios), membro da coordenação da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados de São Paulo e colaborador no Programa de Psiquiatria Social e Cultural do IPq-HCFMUSP e do Coletivo Conviva Diferente.

Andressa Carvalho Castelli é mestranda no Programa de Psicologia Clínica da USP (Universidade de São Paulo) no Laboratório de Psicanálise e Política, supervisora no Grupo Veredas, psicóloga do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e membro da coordenação da Rede de Cuidados em Saúde pra Imigrantes e Refugiados.

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