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A politização do tratamento precoce que mata a ciência

Desde o ano passado já se sabe que o “kit Covid” não funciona. Mesmo assim, autoridades brasileiras seguiram na contramão das evidências

Por Marilena Lazzarini e Carlota Aquino Costa, do Idec*
12 nov 2021, 16h19
tratamento precoce
À luz da ciência, discussão sobre o "kit Covid" deveria ter sido superada há muito tempo. (Foto: Alex Silva/A2 Estúdio)
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O Ministério da Saúde (MS) tem o dever de se dedicar à saúde dos brasileiros, sobretudo em uma pandemia. Para isso, dispõe do respaldo técnico de órgãos de assessoramento, como é o caso da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), criada para auxiliar nas decisões sobre assistência terapêutica e incorporação de tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS).

Em maio de 2020, por pressão do Presidente da República, o ministro interino Eduardo Pazuello emitiu nota com orientações para manuseio medicamentoso precoce em pacientes com diagnóstico da Covid-19. O protocolo de tratamento, feito sem a participação da Conitec, incluía a cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina.

Em junho, a FDA, agência de saúde americana, revogou a autorização para uso emergencial dessas drogas diante de evidências que mostravam sua ineficácia. Em março de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em estudos clínicos com mais de 6 mil pacientes, também declarou a ineficácia da cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19.

Mas o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina (CFM) permaneceram silentes em seus protocolos e posicionamentos. Só a Anvisa agiu para garantir minimamente a saúde e a segurança, reforçando que essas medicações não têm autorização para esse uso, restrito apenas sob prescrição médica.

Em maio de 2021, questionado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a eficácia do “kit Covid”, o ministro Marcelo Queiroga desviou das perguntas adotando o mantra “um manda, o outro obedece” do seu antecessor. Para ganhar tempo, jogou essa “bomba” para a Conitec, que, segundo ele, deveria decidir a questão, por se tratar de um tema técnico. Com isso, deixou implícito que a decisão anterior de incluir esses medicamentos havia sido de fato política.

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Convocada a agir, a Conitec não decepcionou. Elaborou um primeiro parecer, publicado no mesmo mês, rejeitando a utilização de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes hospitalizados.

Já as diretrizes para o manejo de pacientes fora do hospital encontraram mais dificuldades em prosseguir. Adiamentos de reuniões (que ensejaram convocação à CPI) e reuniões tensas permearam a discussão em torno do segundo parecer relacionado ao “kit Covid” ou “tratamento precoce”.

Na reunião do dia 21 de outubro, um empate inédito na votação do parecer técnico decidiu pelo envio do documento para Consulta Pública. A diretriz proposta é clara e inequívoca ao afirmar que cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina são ineficazes para tratar a Covid-19 e não devem ser incorporadas como rotina no SUS.

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O vídeo dessa reunião exibe cinco constrangedoras horas de duração, com dois representantes de secretarias do Ministério da Saúde atuando para deslegitimar a proposta elaborada pela equipe de especialistas.

A moderadora precisou silenciar um participante que interrompia sem cessar a fala dos especialistas autores do parecer, que se empenharam incansavelmente para explicar a metodologia consagrada e os procedimentos ordinários seguidos, ditados pela Conitec.

Os dois representantes do Ministério rebateram tanto as questões metodológicas como as de menor importância e excessivamente detalhistas. O que se buscava com essa estratégia não era contribuir para o aprimoramento da diretriz, mas postergar ainda mais a sua publicação.

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A cereja do bolo foi a crítica de que só havia recomendações sobre o que não deveria ser feito. E aqui não cabem dúvidas: tão importante quanto dizer o que o médico pode fazer é dizer o que ele não pode.

É exatamente nisso que as principais instituições sanitárias do país têm falhado miseravelmente: informar que um paciente não deve ser tratado com remédios que não funcionam. Trata-se de um limite a ser estabelecido para não submeter a população a riscos desnecessários.

Foi essa postura que permitiu a manipulação do argumento da autonomia médica para respaldar a pura e simples má prestação do serviço, abrindo margem também para empresas como a Prevent Senior fazerem o que fizeram.

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Algumas colocações e os votos de representantes do MS na reunião estiveram longe da técnica e da objetividade. Lamentável o uso político de uma comissão cuja qualidade do trabalho desempenhado só merece ser enaltecida pela sociedade. A Consulta Pública representará oportunidade privilegiada para que especialidades médicas e usuários possam se manifestar, mas o balanço não é positivo.

Essa confusão serviu aos interesses do Ministro da Saúde que, ao não assumir responsabilidades que eram suas, expôs a Conitec. Desde o início deste ano as evidências indicavam que o “kit Covid” ou “tratamento precoce” não funcionava, mas continuaram a ser prescritos, com o aval do Ministério, e sob o manto da autonomia médica. Pergunta-se: quem responderá pelos danos?

*Marilena Lazzarini é presidente do conselho diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Carlota Aquino Costa é coordenadora executiva do Idec 

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