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A nova revolta da vacina

Especialista aborda debate sobre a obrigatoriedade da vacinação contra o coronavírus e as repercussões sociais e econômicas de um imunizante para o Brasil

Por Igor Lucena, economista*
3 nov 2020, 10h01

Se existe algo que parece se apresentar como um debate inútil em pleno século 21, é tudo que diz respeito à importância e à necessidade da vacinação nas sociedades modernas. Ora, falamos de um tema cientificamente bem estabelecido: vacinas são promotoras da saúde pública. Contudo, em um ano em que praticamente qualquer assunto é politizado em um eterno “Fla-Flu”, vale a pena gastar algum tempo refletindo sobre a obrigatoriedade ou não de se submeter a uma vacina contra a Covid-19, bem como seus efeitos sobre a economia e a sociedade.

É importante iniciar esta análise sob o ponto de vista filosófico, tendo em mente a liberdade individual. Todos os seres humanos nascem livres e possuem o que chamamos de direitos naturais, que na prática nos dão a capacidade de fazer tudo aquilo que é possível sob o ponto de vista físico, porém nem sempre é ético, como ferir ou matar outra pessoa. Os seres humanos nascem na natureza e basicamente podem se comportar por instinto, como os outros animais.

O que efetivamente nos difere dos animais é que optamos em algum momento da nossa história por abrir mão desses direitos naturais para vivermos em sociedade e assim montarmos o que o filósofo Jean-Jacques Rousseau estabeleceu como um contrato social, pelo qual substituímos os direitos naturais por direitos individuais com limites, responsabilidades e punições. Dentro desse contexto, cabe inferir que, ao optarmos por viver em sociedade, afirmarmos que nossa liberdade não é absoluta. Dito isso, o meu direito à liberdade acaba quando ele esbarra no direito à liberdade que o outro possui.

Essa afirmação muitas vezes é esquecida por aqueles que se autodeterminam libertários ou conclamam que as liberdades individuais são totalmente absolutas, a ponto de conclamarem que “imposto é roubo”.

Sob o ponto de vista jurídico, vale ressaltar que ninguém é obrigado a fazer algo que não queira por força da lei. Ainda neste ano, o presidente Jair Bolsonaro promulgou a Lei 13.979/20, que efetivamente delega poderes para que os estados e os municípios possam adotar a vacinação compulsória na pandemia. Ou seja, o Brasil pode sim adotar esse procedimento, por mais polêmico que seja.

Entretanto, o debate que se arregimentou entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente da República sobre a obrigatoriedade da vacinação é algo que perpassa a disputa político-eleitoral. Sob o ponto de vista filosófico e jurídico, não há dúvidas de que uma vacina eficaz, devidamente aprovada pela autoridade sanitária, oriunda de qualquer nação, poderá ser compulsoriamente aplicada na população. Mas isso não significa que vamos sair por aí levando as pessoas amarradas para receber sua dose da vacina.

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O Brasil é um país onde as campanhas de vacinação são muito efetivas, em que praticamente todas as classes sociais entendem a importância dos imunizantes, tanto que, nas últimas pesquisas sobre a possibilidade de vacinação contra a Covid-19, cerca de 80% da população confirma que receberia a vacina, independente de seu lugar de origem, desde que comprovada a eficácia.

Sob o ponto de vista econômico, a importância da vacina para o Brasil é ainda mais impactante. Somos uma nação em que o turismo internacional e o investimento direto estrangeiro são fundamentais para a economia e para o emprego, principalmente no setor de serviços, o que impacta em especial o Rio de Janeiro e o Nordeste. Dentro dessa perspectiva, sem uma campanha de vacinação que controle a disseminação do vírus, não há perspectiva de melhora da economia.

Da mesma maneira, a vacinação é um importante freio para os gastos públicos e privados em saúde, principalmente no setor emergencial, pois essa pandemia nos mostrou que, sem o controle da saúde pública, não há possibilidade de volta à normalidade dos mercados de trabalho e de bens e serviços.

Outro importante aspecto que estamos acompanhando é a situação disruptiva dentro das cadeias globais de valor. Devido à integração mundial de insumos e produtos industrializados, ocorre no Brasil uma escassez de produtos os mais diversos, desde babás-eletrônicas até bicicletas e peças de automóveis, pois, em algum estágio da produção desses bens, as fábricas estão comprometidas com sua operação ou com o transporte desses itens. O resultado disso é que os preços estão subindo, e alguns setores estão superaquecidos, como é o caso da construção civil. Por outro lado, setores como beleza e eventos estão amargando prejuízos e ondas de demissões.

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De modo geral, o Brasil e várias outras nações estão com a economia disforme, com problemas no balanceamento entre os setores e com pouca margem de manobra, tendo em vista que operações de crédito e lockdowns já foram extensivamente utilizados e, neste momento, poucos países possuem capacidade para retomar esses instrumentos de controle da pandemia. Estamos hoje com uma dívida pública que deve chegar aos 92% do PIB até o final do ano, com cerca de 13,5 milhões de desempregados e em uma situação que não deverá melhorar tão cedo.

Assim, quanto mais rápido tivermos uma vacina efetiva, segura e autorizada pelos órgãos sanitários, mais rápido poderemos reequilibrar a economia, estancar a falência de empresas e barrar o aumento do nível de desemprego. Somente com a vacina iremos parar um ciclo de mortes que já passa, neste momento, dos 156 mil brasileiros. Não haverá ganho algum para qualquer nível de governo, seja estadual, municipal ou federal, se continuarmos politizando o tema ou impedindo o uso de uma vacina X ou Y.

Nesses momentos é que percebemos quando os líderes se tornam estadistas, quando o bem nacional se mostra mais importante que disputas e ideologias e quando a efetiva melhora de vida da população é o objetivo final de quem está à frente do Estado. Precisamos do empenho e de soluções imediatas das nossas autoridades para vencer esses problemas tão preocupantes para nós, brasileiros.

* Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política

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