Da hora em que acorda ao momento em que vai dormir, Temple Grandin não para quieta. Ph.D. em zootecnia, ela dá aula na Universidade Estadual do Colorado, nos Estados Unidos, visita fazendas, presta consultoria ao governo, faz palestras e escreve livros — o mais famoso, a autobiografia Uma Menina Estranha, que já virou filme. Quase não sobra tempo para essa mulher de 68 anos, que revolucionou a forma de tratar animais de abate a fim de diminuir o sofrimento deles, lembrar que é autista. “O autismo é parte do que sou, mas não deixo que ele me defina”, afirma Temple em sua nova obra, O Cérebro Autista — Pensando Através do Espectro (Ed. Record).
A cientista faz parte dos 70 milhões de pessoas que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), vivem com essa condição. Ou melhor, fazem parte do transtorno do espectro autista (TEA). Desde 2013, quando foi lançado o último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-5, a classificação do autismo mudou. Antes ele era dividido em cinco categorias, como síndrome de Asperger e outras de nome cabeludo. Hoje, é uma coisa só, com diferentes graus de funcionalidade. “O espectro agrupa desde um quadro mais leve, ou alta funcionalidade, com inteligência acima da média, a casos em que há retardo mental, a baixa funcionalidade”, disseca Marisa Furia Silva, presidente da Associação Brasileira de Autismo (ABRA).
Os critérios de diagnóstico também mudaram. A dificuldade de domínio da linguagem saiu de cena e, atualmente, os traços de distinção incluem inabilidade para interagir socialmente e comportamento restritivo e repetitivo. As alterações propostas pela DSM-5, contudo, não agradam Temple. Segundo ela, os parâmetros atuais são “vagos” e “confusos”. “Em uma ponta temos autistas gravemente incapacitados, que não conseguem nem falar. Na outra, um Albert Einstein ou um Steve Jobs. Já imaginou colocar todos na mesma sala de aula?”, provoca.
No Brasil, a situação dessas pessoas pode ser considerada alarmante. Quem assegura é o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Há cerca de 2 milhões de autistas no país. Desses, 95% estão completamente desassistidos, nem diagnóstico têm”, acusa. Para piorar, a lei que garante a eles os mesmos direitos de outros indivíduos com alguma deficiência ainda não saiu do papel. Tem mais: nem todo profissional está apto a diagnosticar o transtorno, tampouco lidar com ele.
Como um manual médico divide o autismo
O critério atual se baseia na funcionalidade — a capacidade de realizar atividades simples e desenvolver o intelecto
- Baixa funcionalidade: mal interagem. Em geral, vivem repetindo movimentos e apresentam retardo mental, o que exige tratamento pela vida toda.
- Média funcionalidade: são os autistas clássicos. Têm dificuldade de se comunicar, não olham nos olhos dos outros e repetem comportamentos.
- Alta funcionalidade: também chamados de aspies, têm os mesmos prejuízos, mas em grau leve. Conseguem estudar, trabalhar, formar família.
- Síndrome de savant: cerca de 10% pertencem a essa categoria, marcada por déficits psicológicos, só que detentores de uma memória extraordinária.
E como uma autista divide os autistas
A americana Temple Grandin prefere defini-los por afinidades e padrões de pensamento. São três tipos:
- O primeiro grupo pensa por imagens e curte atividades manuais. Eles têm habilidade para desenhar, pintar, cozinhar, costurar… E podem seguir carreiras como ilustrador, fotógrafo, designer.
- O segundo grupo de autistas pensa por palavras e fatos. Essa turma decora trechos de livros e diálogos de filmes com muita facilidade. E pode se dar bem fazendo curso de letras, história, jornalismo…
- Um terceiro tipo de autista é o que pensa por padrões e se dá bem em música ou matemática. Na infância, adora brincar com peças de Lego. No futuro, rende um bom engenheiro, físico, programador de computador, músico…