Diabete antecipa um infarto em 15 anos
Em uma conversa exclusiva com SAÚDE, o cardiologista David Fitchett revela os riscos que a hiperglicemia prolongada causa ao coração — e o que a medicina tem hoje à disposição para minimizar esses danos
O cardiologista David Fitchett, da Universidade de Toronto (Canadá), é um dos maiores especialistas no mundo na interação entre o diabete e as doenças cardíacas. Nesta entrevista, ele mostra o tamanho da encrenca que o excesso de açúcar no sangue traz ao coração e revela as soluções modernas da medicina para lidar com isso.
Como o senhor se interessou pela relação entre diabete e doenças cardíacas?
Como cardiologista, eu notei que uma grande proporção dos meus pacientes apresentava diabete com impacto na sua doença cardíaca. Pesquisas recentes mostraram que mais de um terço das pessoas com infarto ou angina relatam ter diabete — e se você testar todos, verá que outros 15% tinham esse problema e não sabiam. Além disso, o diabete está associado com uma menor sobrevivência em sujeitos com males cardíacos. Sendo assim, eu fiquei especialmente interessado na prevenção e no tratamento de doenças cardíacas em pacientes com diabete.
Por que o diabete é tão perigoso para a saúde do coração?
Ele resulta em bloqueios da artéria coronária [que irriga o coração com sangue]. Vários fatores estão associados a isso, como inflamação da parede das artérias e maior risco de coagulação do sangue. Isso sem contar que o diabete afeta a função cardíaca, o que aumenta a probabilidade de falhas. Juntando isso, vemos que diabéticos são de duas a quatro vezes mais propensos a desenvolver doença coronária. Eles têm infartos 15 anos antes do que indivíduos sem a enfermidade e possuem um risco 50% maior de morrer por causa de um ataque cardíaco.
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Apesar de várias medicações baixarem a glicemia, poucas demonstraram em pesquisas clínicas uma redução de morte por questões cardiovasculares. O senhor poderia comentar um pouco sobre isso?
Apesar de o risco de problemas cardíacos aumentar com o grau de severidade do diabete, nenhum estudo mostrou que, no curto prazo, baixar a glicemia agressivamente previne infarto ou AVC. É possível que um maior período de tratamento seja necessário para reduzir esse tipo de mal. Baixar a glicemia vigorosamente e logo no início do diabete provavelmente vai diminuir mortes relacionadas ao coração. Recentemente, o órgão regulador de medicamentos dos Estados Unidos apontou preocupações com drogas para o diabete que poderiam aumentar o risco de doença cardíaca e, por isso, passou a exigir estudos de segurança, especialmente em pacientes com alto probabilidade de infartar. Até ano atrás, as cinco drogas avaliadas se mostraram seguras, porém não reduziram o risco de doença cardíaca. Mas um trabalho recente mostrou, em três anos de tratamento, que a empagliflozina na verdade reduziu as mortes por problemas cardiovasculares em 38%. Foi o primeiro estudo a mostrar algo assim. Outros remédios da mesma classe da empagliflozina (antagonistas de SGLT2) estão sendo avaliados em grandes estudos clínicos. Teremos resultados nos próximos dois a quatro anos para saber se a classe como um todo é positiva para o coração. Outras duas drogas, a liraglutida e a semaglutida (agonistas de GLP1) mostraram reduções em complicações cardíacas mais recentemente. É, portanto, possível que mais drogas contra o diabete que minimizam problemas cardíacos sejam identificadas nos próximos anos em decorrências das várias pesquisas em progresso.
O senhor acha que a epidemia de diabete vai piorar ainda?
Essa epidemia está longe de acabar. O aumento da obesidade e as baixas taxas de atividade física, assim como o envelhecimento populacional, esperamos que a quantidade de pacientes com diabete vai aumentar substancialmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou, em 1985, 30 milhões de adultos eram diabéticos. Em 1995, o número saltou para 135 milhões e, em 2002, para 173 milhões. A mesma entidade projeta que, em 2030, serão 366 milhões de adultos com a doença. De acordo com a Federação Internacional do Diabete, o Brasil está em quarto entre os países com maior número de diabéticos.