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Cocaína: ondas magnéticas contra a dependência

Terapia já consagrada no controle da depressão, as ondas magnéticas são testadas contra o vício em cocaína pela primeira vez no Brasil.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 8 Maio 2023, 17h47 - Publicado em 26 jun 2013, 22h00
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A estimulação magnética transcraniana apresentou bons resultados contra a dependência em cocaína  (/)
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O físico britânico Michael Faraday (1791-1867) foi um dos homens mais influentes da história da ciência. Seus trabalhos sobre eletromagnetismo se tornaram o ponto de partida de muitas das tecnologias que usamos hoje. As telecomunicações, a distribuição de energia nas metrópoles, os meios de transporte e os motores elétricos se originaram com base nos estudos de Faraday, que desvendaram as interações entre as correntes elétricas e os campos magnéticos.

Uma das aplicações mais recentes dos seus estudos é a estimulação magnética transcraniana, a EMT, terapia não invasiva que trata diversas doenças no cérebro. O método, desenvolvido em 1985 pelo médico inglês Anthony Baker, na Universidade de Sheffield, na Grã-Bretanha, se vale da aplicação de ondas magnéticas em pontos específicos da massa cinzenta para conter males que vão de depressão a alucinações auditivas.

Agora, uma investigação pioneira do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo foi além: testou a EMT em dependentes de cocaína. A pesquisa, finalista do Prêmio SAÚDE 2012, teve resultados impressionantes. “Nós conseguimos diminuir a fissura pela droga e melhorar sintomas de depressão e ansiedade em 80% dos voluntários, enquanto 60% deles reduziram o consumo“, conta o psiquiatra Philip Leite Ribeiro, autor do trabalho e pesquisador do IPq.

Para ter uma ideia da conquista, basta considerar que outras formas de tratamento desse vício são capazes de refrear o uso, no máximo, em 25% dos pacientes. “Até então, não existia remédio específico para a cocaína além das intervenções psicossociais, que também têm a sua eficácia”, frisa o psiquiatra Marco Antonio Marcolin, coordenador do Serviço de Estimulação Magnética Transcraniana do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Como foi feita a pesquisa

Para realizar o estudo, a equipe do Instituto de Psiquiatria recrutou 25 voluntários, que foram divididos em dois grupos. O primeiro foi alvo da estimulação magnética transcraniana, enquanto a segunda turma passou por uma terapia placebo, ou seja, de mentira. Nem os pacientes, muito menos os médicos, sabiam quem efetivamente tinha feito o tratamento correto e quem estava selecionado para o teste falso. As sessões aconteciam diariamente e demoravam menos de 15 minutos. Os indivíduos receberam as ondas magnéticas na cabeça durante um mês e foram acompanhados por mais 60 dias. “Além da análise comportamental, todos os pacientes faziam exames de urina para controlar o uso da droga”, informa Marcolin. Essas averiguações tornaram a pesquisa ainda mais criteriosa. “Ninguém nunca fez isso em todo o mundo. É uma comprovação científica plena dos resultados”, reforça o psiquiatra.

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A pesquisa brasileira apontou uma queda do consumo de cocaína entre a terceira e a sexta semana depois do início das sessões. “Talvez essa seja uma janela de oportunidade interessante para disponibilizar ao paciente um arsenal de recursos, como terapias psicossociais, cognitivas e comportamentais”, especula Leite Ribeiro. Os especialistas começam, neste momento, a planejar uma segunda investigação, com dependentes de crack – embora ainda estejam às voltas com o problema de falta de verba para a internação dos voluntários.

Do laboratório para a clínica

A EMT é praticamente indolor e não dá choques. A máquina utilizada, conhecida como estimulador magnético, solta uns cliques quando emite as ondas para o cérebro. Pacientes que passaram pela terapia contam que o incômodo é mínimo, como se alguém tocasse rapidamente com o dedo uma região específica do crânio. “Algumas pessoas podem sentir uma leve dor de cabeça logo após a aplicação”, adverte o psiquiatra Rafael Böechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, no Distrito Federal. Para esses casos de cefaleia, um analgésico simples resolve.

No Brasil, por enquanto, o método está aprovado para uso clínico apenas no combate à depressão e às alucinações auditivas típicas da esquizofrenia. Nos quadros depressivos, testes feitos ao redor do globo asseguram sua eficácia: em 40% dos casos, todos os sintomas desaparecem. “A EMT funciona por meio da variação de pulsos magnéticos, que podem ter o efeito de inibir ou estimular determinadas regiões do cérebro”, explica o psiquiatra Moacyr Alexandro Rosa, diretor do Instituto de Pesquisas Avançadas em Neuroestimulação, na capital paulista.

Apesar do emprego restrito atual, diversos experimentos indicam que em breve o aparelho beneficiará quem sofre de problemas como enxaqueca, Parkinson, zumbido, sequelas de um acidente vascular cerebral e dores crônicas. Ele pode ser efetivo até mesmo contra distúrbios comuns na infância, como dislexia, autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

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Só médicos podem aplicar o procedimento

Mas tome cuidado para não cair em armadilhas. Fora do ambiente de pesquisa, não é permitido lançar mão da EMT para essas doenças. E mais: o Conselho Federal de Medicina decretou no final do ano passado que só médicos estão autorizados a aplicá-la. “Sempre que possível, peça o registro do profissional e pesquise no site dos conselhos regionais para verificar se ele está apto a realizar o procedimento”, sugere a neurologista Adriana Bastos Conforto, professora do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Como você pode ver, a psiquiatria dispõe de técnicas cada vez mais avançadas para garantir uma massa cinzenta livre de encrencas – encrencas essas capazes de deteriorar o raciocínio inclusive de cérebros geniais como o do homem que descobriu o funcionamento das ondas magnéticas. Michael Faraday, quem diria, morreu em sua casa, vítima de colapsos mentais.

Como funciona

1. Antes de começar a terapia propriamente dita, alguns exames de imagem determinam a região cerebral que será estimulada pelos pulsos eletromagnéticos.

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2. Os pacientes utilizam uma touca, daquelas de natação, feita de algodão ou borracha. Nela são demarcados os lugares sobre os quais a máquina deve atuar.

3. O aparelho começa a emitir as ondas magnéticas. Elas atravessam o couro cabeludo e o crânio. Na massa cinzenta, se convertem em estímulos elétricos e penetram até 2 centímetros.

4. De maneira geral, a frequência das descargas de energia direcionadas à cabeça varia de acordo com o problema a ser tratado.

Frequência rápida: quando os pulsos são intensos, o objetivo é estimular alguma estrutura do cérebro que não está trabalhando direito.
Frequência lenta: quando eles são mais vagarosos, a ideia é inibir certa região que está mais ativa do que deveria.

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5. Consertos externos…

O estímulo altera a chegada de oxigênio e nutrientes a determinadas células nervosas, assim como seu aproveitamento. Essas substâncias são o combustível que fornece energia para elas funcionarem corretamente. O problema, aqui, pode ser um déficit nesse abastecimento.

6. …e também internos

Em questão de segundos, as ondas magnéticas mexem com o equilíbrio de neurotransmissores, que têm a função de repassar os impulsos nervosos entre um neurônio e outro. Os choques ainda balanceariam os genes das células que estão defeituosos.

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