Ruído alimentar: o que fazer quando pensamentos sobre comida dominam sua rotina
Também conhecida pelo nome em inglês 'food noise', essa situação pode se tornar um desafio a mais na luta por adotar hábitos alimentares saudáveis

Pensar no que você vai comer é algo normal. Seja para planejar as compras, a próxima refeição ou por sentir fome e querer fazer um lanchinho, é provável que a comida ocupe sua mente uma ou mais vezes por dia. Mas… e quando esse pensamento não para em momento algum, nem mesmo após uma farta refeição?
Essa situação desafiadora vem se tornando conhecida entre os especialistas como food noise ou, em português, “ruído alimentar”. É como se o seu cérebro não silenciasse jamais sobre a comida. Essa dificuldade ainda não é bem definida nos manuais médicos, mas tem sido caracterizada como um dos obstáculos para pessoas com obesidade que buscam readequar seus hábitos e perder peso.
Saiba mais sobre o tal ruído.
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O que caracteriza o food noise?
Como deu para ver acima, o nome é bem autodescritivo. O ruído alimentar é a sensação constante de que a comida ocupa um posto central na sua mente, independentemente do seu nível de saciedade.
Os pensamentos podem se tornar intrusivos e nem sempre se referem a alimentos específicos, mas também a preocupações constantes sobre o ato da alimentação, como as calorias, nutrientes e horários em que você está comendo.
A definição exata do que constitui o food noise, porém, ainda é algo em discussão, porque essa situação é muito mais baseada em relatos individuais e anedóticos daquilo que os médicos observam na prática clínica. Não se trata de uma doença reconhecida em classificações como o CID, por exemplo, e especialistas vêm argumentando que é necessário consolidar o conceito para facilitar o diagnóstico e os tratamentos.
Uma das hipóteses para o surgimento do ruído alimentar gira em torno dos mecanismos de recompensa associados à alimentação, com uma possível prevalência maior do quadro em quem come muitos ultraprocessados.
Esses alimentos, geralmente mais açucarados e gordurosos, produziriam uma resposta mais intensa de prazer no cérebro, gerando também uma necessidade maior de “pensar neles” – mesmo sem querer fazer isso – nos intervalos entre as refeições.
Pessoas com histórico de dietas restritivas e transtornos alimentares associados à percepção do próprio corpo parecem ter uma tendência maior de sofrer com o ruído.
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Qual a diferença para o transtorno de compulsão alimentar?
A compulsão alimentar é uma condição reconhecida e catalogada, com critérios diagnósticos mais bem definidos, e se caracteriza por comer de forma excessiva, sem conseguir controlar esse impulso. Como o food noise não tem uma classificação consensual, ainda não é possível afirmar exatamente como ele se diferencia.
Um dos argumentos é que nem toda a pessoa com ruído alimentar necessariamente apresentaria um comportamento compulsivo, podendo, em alguns casos, evitar a ingestão exagerada de alimentos mesmo que não consiga controlar os pensamentos sobre eles. Mas, também aqui, trata-se de uma definição que pode ser modificada.
Em um novo artigo publicado no começo de julho na prestigiosa revista Nature Nutrition & Diabetics, pesquisadores norte-americanos e europeus enfatizaram a necessidade de uma definição mais clara do food noise e, entre outros apontamentos, usaram a compulsão como exemplo.
“Assim como a caracterização do transtorno de compulsão alimentar impulsionou o tratamento [dessa condição], queremos chamar atenção para o potencial de uma caracterização mais aprofundada do ruído alimentar para impactar a saúde e bem-estar de pessoas que sofrem com ele”, escreveram.
O que fazer para controlar o ruído alimentar?
Relatos individuais de médicos e pacientes vêm apontando que tratamentos contra outros transtornos alimentares e obesidade parecem apresentar um resultado positivo em “silenciar” o ruído alimentar.
O uso de canetas emagrecedoras, por exemplo, vem sendo citado como uma alternativa benéfica para muitos pacientes que não conseguiam driblar os pensamentos em torno da comida.
Por sinal, uma das hipóteses apresentadas no artigo da Nature é que o próprio uso das canetas emagrecedoras seria responsável por aumentar o entendimento de que o food noise existia.
“Embora não seja claro há quanto tempo o ruído alimentar existe, é improvável que seja algo novo. Em vez disso, as pessoas provavelmente já o sentiam, e ele se tornou mais perceptível […] por sua súbita ausência”, sugerem os pesquisadores.
Quando o uso da caneta não é uma opção, vontade ou necessidade (por exemplo, no caso de pacientes que não apresentam obesidade mas ainda assim sofrem com o ruído), especialistas recomendam reduzir a carga mental da necessidade de pensar em comida.
Uma alternativa seria planejar com antecedência as refeições, como na preparação de marmitas para a semana inteira, sem precisar revisitar constantemente o que você vai colocar no prato na próxima vez que comer.
Outra sugestão para reduzir o ruído alimentar é… alimentar-se sem outros ruídos. O ato de comer prestando atenção no que está no prato, em vez de ver algo no celular ou na TV, por exemplo, tem sido relatado por algumas pessoas como algo que ajuda no esforço para “registrar” o que foi ingerido e potencialmente pensar menos nisso até a próxima refeição.
Como costuma ocorrer nesses casos, não existe uma resposta que funcione para todas as pessoas, e a melhor técnica para o seu caso pode depender de tentativa e erro. Conte sempre com apoio de um profissional capacitado para lidar com transtornos que afetam a alimentação.