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A ciência da hidratação

Beber água é um hábito tão essencial quanto menosprezado. Novos estudos realçam seu papel e derrubam a ideia de que há uma conta certa de copos por dia

Por Maurício Brum, Caroline Guarnieri e Valentina Bressan
Atualizado em 29 Maio 2023, 12h06 - Publicado em 5 jul 2022, 09h38
Foto de gota de água
Estudos associam hidratação adequada a menor risco de infecção urinária e problemas cardiovasculares.  (Jonathan Knowles/Getty Images)
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Na matemática do corpo humano, calcula-se que a água corresponda a 60% da nossa constituição. No sangue, ainda mais: a conta gira em torno de 90%. Se podemos sobreviver semanas sem comer, o mesmo não se aplica em caso de desidratação. Em geral, uma pessoa não passa de três dias sem líquidos.

Só que todos esses números são estimativas. E, diferentemente do que se pensava no passado, a hidratação não é uma ciência tão exata. Sim, ela integra a equação de uma vida saudável, mas é bom desconfiar de prescrições padronizadas e idealizadas de quantos litros a gente deve tomar diariamente. A coisa é mais líquida e complexa do que se imagina!

Mas as novas pesquisas nessa praia não deságuam em becos sem saída. Pelo contrário, elas estão nos ajudando a compreender o que é uma hidratação adequada e como isso influencia (e melhora) o funcionamento do organismo. Não estamos falando só de rins, bexiga e vizinhança. Um bom aporte de líquidos, vindos inclusive dos alimentos, interfere no trabalho do intestino, do cérebro e do coração.

“A água é vital para o metabolismo celular, a regulação da temperatura corporal e a lubrificação de todos os tecidos”, resume o médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). “A falta faz mal, mas o excesso também”, afirma o nutrólogo. Ainda assim, dados populacionais indicam que andamos pecando mais pela falta do que pelo excesso.

Até o tipo e a fonte de água que a gente consome têm implicações no organismo — e a história não se resume à contaminação por parasitas. Em 2021, foi publicado o primeiro estudo mostrando que a diferença nas características do líquido está diretamente relacionada à composição da microbiota intestinal de americanos e britânicos. Isto é, o consumo hídrico ajuda a explicar as variações nas populações de micro-organismos no aparelho digestivo entre cidadãos morando dos dois lados do Atlântico.

Os cientistas ainda têm um oceano de hipóteses e informações a explorar sobre a relação entre a hidratação e a microbiota, essa comunidade cujo equilíbrio influencia a imunidade, o ganho de peso e a suscetibilidade a transtornos mentais como ansiedade e depressão.

O próximo passo é avaliar e entender como o perfil e o volume da água que tomamos mexe com a microbiota e todos esses sistemas interligados, afetando, como você verá, da capacidade de atenção das crianças na escola ao estado das artérias e do coração na velhice.

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Textos com perguntas sobre hidratação
(Ilustração: Leticia Raposo/SAÚDE é Vital)

 

A sabedoria popular recomenda beber água para prevenir pedras nos rins ou mesmo infecção urinária. E faz sentido, segundo a ciência. Já a ideia de que a gente tem de beber X copos por dia e a história de não confiar na sede como parâmetro para se hidratar parecem não se sustentar tanto.

Atualmente, os especialistas concordam que o cálculo tem de ser individualizado, respeitando idade, peso e presença ou não de doenças, e acreditam que, entre pessoas saudáveis, a sede é um bom sinal para saber se é hora de buscar o líquido. “A água é importante demais para não ser controlada pelo próprio organismo”, crava o nefrologista Bento Fortunato, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Nossa maior preocupação hoje é a qualidade da hidratação, não necessariamente a quantidade”, ele diz.

Isso porque muitas pessoas acabam obtendo a maior parte da água exigida pelo corpo na própria alimentação. Só que nem todos os comes e bebes são iguais. Enquanto frutas, legumes e verduras são majoritariamente compostos de água e demandam menos esforço para disponibilizá-la ao organismo — pense numa melancia, com 92% do líquido na composição —, alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas até entram na conta, mas não só de forma bem menos eficiente como também problemática, em função do excesso de gordura, açúcar e sódio. O combo não compensa.

Outra questão é que a sede é uma ótima bússola, mas, com o avançar da idade, esse guia interno pode deixar a desejar. Quanto mais vivemos, maior a chance de não percebermos que o corpo está precisando de água. Não se trata de “esquecimento”, mas de uma alteração fisiológica que leva as pessoas a beberem menos e que torna os idosos os principais candidatos à desidratação.

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“Eles têm uma menor sensibilidade no centro do cérebro que regula a sensação de sede. Então, quando sentem sede, já estão muito mais desidratados do que um adulto saudável”, esclarece a nutricionista Paula Colleoni, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

+Leia também: Água alcalina não cura nada e nem devolve a juventude

Não é à toa que muitos dos estudos que buscam entender os impactos de beber mais água têm como foco pessoas que já estão na segunda metade da vida. A infecção urinária é bem mais prevalente entre idosos — e, mesmo entre as mulheres, que sofrem mais com isso desde cedo, a incidência aumenta com a idade.

Em 2018, pesquisadores americanos e franceses selecionaram 140 mulheres no período da pré-menopausa que habitualmente ingeriam menos de 1,5 litro de água por dia e tinham episódios recorrentes de cistite. Elas foram divididas em dois grupos: um passou a ingerir mais líquidos, o outro seguiu como antes.

Após um ano, aquelas que se hidrataram mais tiveram, em média, uma queda de quase metade nos episódios de infecção urinária na comparação com a outra turma. É de imaginar que tal efeito protetor seja especialmente bem-vindo aos idosos.

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Ilustração com dados
(Ilustração: Leticia Raposo/SAÚDE é Vital)

De acordo com a professora da PUC-PR, prejuízos relacionados à desidratação ocorrem em qualquer fase da vida, mas um idoso que “sobrecarregou” seu organismo com a “falta” do líquido durante anos corre maior risco de sofrer reveses agora do que quando era jovem — e, como a necessidade de água é constante, a desidratação tende a gerar repercussões cumulativas.

Aí sobra para todo lado, até por onde corre o sangue. Um estudo americano recente envolvendo 2,2 mil pessoas na faixa dos 70 anos descobriu uma correlação entre o nível de hidratação e a presença de biomarcadores que indicam o risco de doenças cardiovasculares.

Embora o experimento não prove um raciocínio de causa e consequência, deixa clara a vantagem da hidratação adequada nesse grupo: a propensão a ameaças às artérias era maior entre quem não ingeria água o suficiente.

A falta d’água também tem reflexos cerebrais que podem ser sentidos da infância à maturidade. Sobretudo na velhice, a menor disponibilidade do líquido interfere na circulação e no transporte de oxigênio e nutrientes até a massa cinzenta.

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A carência pode se manifestar com piora na memória e na capacidade de manter a atenção nas coisas, sonolência e, em casos mais extremos, confusão mental. Como essas características são tradicionalmente associadas ao avanço da idade, não é incomum que idosos e familiares não percebam que o quadro está sendo provocado ou agravado por uma desidratação.

Nesse campo da ciência em ebulição, há quem vá além: alguns estudiosos já sugerem que beber água em quantidades inadequadas não seria apenas uma consequência da idade, mas potencialmente uma causa do envelhecimento precoce.

Não que deixar de se hidratar faça você envelhecer mais do que os outros. Tem a ver com o fato de problemas de saúde ligados à longevidade aparecerem antes da hora. Em suma, uma pessoa bem hidratada teria tudo para viver mais e melhor.

textos com perguntas sobre hidratação
(Ilustração: Leticia Raposo/SAÚDE é Vital)
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Falamos bastante de envelhecimento, mas o incentivo ao hábito de se hidratar deve começar desde pequeno. E não só pensando lá na frente.

Uma pesquisa latino-americana avaliou o consumo de água por crianças da região e constatou que o Brasil foi o único país entre as nações analisadas em que meninos e meninas de 4 a 9 anos relataram tomar o líquido no mínimo uma vez ao dia — água mesmo, não sucos ou refris. Ainda assim, não há muito o que comemorar.

Os autores consideram a média de ingestão diária insuficiente: foram 369 mililitros, ante uma recomendação de ao menos 1 litro para uma criança de até 30 quilos.

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Quer um bom motivo para melhorar a hidratação infantil? Uma experiência espanhola com pré-adolescentes, que propôs táticas para ampliar o consumo hídrico, observou ganhos cognitivos entre eles. Pois é, até a performance na escola tende a agradecer com um pouco mais de água na rotina.

Perguntas sobre hidratação
(Ilustração: Leticia Raposo/SAÚDE é Vital)

A despeito da faixa etária, um dos debates mais acalorados no meio é a “quantidade ideal” de água. Crescemos ouvindo que deveríamos tomar ao menos 2 litros por dia na idade adulta, algo em torno de seis a oito copos. Hoje se sabe que não é bem assim, e a conta é maleável em decorrência de uma porção de fatores, incluindo a alimentação e o ritmo de atividade física.

A ciência não endossa uma fórmula mágica que funcione para todo mundo. “Se eu ingerir em torno de 300 a 400 gramas de legumes, frutas e verduras por dia, que são alimentos ricos em água, isso pode representar até 70% do total de que eu preciso”, exemplifica Ribas Filho.

Não significa que é para se descuidar da ingestão de água pura (e de boa procedência, por favor). Mas um ponto de atenção para aquelas pessoas que, em busca de uma meta elevada, emborcam garrafas e garrafas — seja para manter a saúde, seja para silenciar a fome e emagrecer.

É que, quando se coloca água demais no organismo, a diluição de nutrientes e outras substâncias vitais bagunça o balanço fisiológico. No limite, o desequilíbrio dos eletrólitos — sódio, potássio e outros sais minerais transportados na corrente sanguínea — coloca até os rins e o coração em apuros.

É para evitar descompassos do tipo que se recomenda a uma pessoa que perdeu muito líquido após diarreias ou uma sessão de exercícios físicos prolongada que não reponha apenas água, mas uma mistura que hidrate e também restabeleça os sais minerais, como um soro ou um isotônico. “Costumamos dizer que, qualquer que seja o pai de uma doença, a mãe dela é uma dieta deficiente, para mais ou para menos, e isso inclui a ingestão de líquidos”, afirma o presidente da Abran.

Mesmo sem um cálculo exato, é consenso que crianças precisam de menos água que adultos, em função do corpo menor, já que o peso é um dos fatores que influenciam o total necessário. O que não quer dizer que a hidratação adequada não seja uma preocupação também para elas.

Como nem sempre o líquido sem gosto agrada ao paladar dos pequenos, uma forma de incentivar o hábito é investir na saborização, priorizando ingredientes naturais, como pedaços de frutas dentro da garrafa. Essa é uma dica que também serve para os mais maduros, inclusive os idosos, que podem ficar com o paladar menos apurado.

A adição de pedaços de gengibre, por exemplo, dá um toque especial e neutraliza eventuais sabores desagradáveis que venham do filtro ou da torneira.

Na ciência da hidratação, velhas verdades absolutas evaporam, enquanto centros de pesquisa pelo mundo buscam um jeito mais preciso de medir como anda nosso equilíbrio hídrico. Para Ribas Filho, vivemos uma espécie de quebra de paradigmas. E mesmo indicadores clássicos de falta d’água no corpo, como a cor da urina, precisam ser ponderados.

“Ela pode ficar mais escura devido a corantes presentes em alimentos e medicamentos”, nota o médico. De acordo com ele, o bom senso deve prevalecer. Não se fixar numa conta certeira de litros diários, mas dar mais atenção às necessidades do corpo e como ele anda funcionando — um xixi escuro demais e uma frequência irregular de idas ao banheiro dão boas ideias a respeito.

Se você sente que não está se hidratando como deveria, colocar lembretes no celular e determinar momentos para tomar um copo d’água ajuda. Mas convém estar de olho também no que você bota no prato e quanto perde de líquidos na forma de suor.

Também vale se perguntar (e testar) se aquela dor de cabeça ou mal-estar esporádico não são, simplesmente, carência de água. E nunca despreze a sede.

“Em condições normais, ela toma conta das necessidades por nós. Sentiu sede? Tome água”, orienta Fortunato. Muitas águas ainda vão rolar nessa nova linha de estudos. E vamos precisar delas (e deles) para manter uma hidratação adequada.

Perguntas de água
(Ilustração: Leticia Raposo/SAÚDE é Vital)

 

 

 

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