Acredite se quiser, o Brasil é o primeiro país do mundo a aprovar a utilização de um medicamento moderno entre pacientes recentemente diagnosticados com mieloma múltiplo – um tipo de câncer de sangue – que não podem fazer o transplante autólogo de medula óssea. O remédio se chama daratumumabe e pertence à farmacêutica Janssen.
“Ele já era prescrito no país para pessoas com essa doença que haviam passado por outros tratamentos”, introduz o hematologista Breno Moreno Gusmão, da BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Mas, agora, a droga também entra na primeira linha do arsenal terapêutico”, diferencia.
Dito de outra maneira, o fármaco se torna uma opção logo após a descoberta do mieloma, o que amplia consideravelmente seu uso. Isso desde que o indivíduo não possa fazer o transplante autólogo de medula, no qual os médicos colhem parte da medula óssea do próprio paciente e, após uma bomba de remédios que visa controlar a enfermidade, reintroduzem-na.
A técnica é usada para repovoar essa fábrica de células sanguíneas – imprescindível para nossa sobrevivência – após a fase mais agressiva do tratamento padrão. “O problema é que, por envolver efeitos colaterais consideráveis, muitos pacientes não podem se submeter ao transplante”, explica Breno.
Se você considerar que, em média, as vítimas do mieloma múltiplo tem mais de 60 anos – e, por isso, tendem a apresentar a saúde um pouco fragilizada –, fica claro que uma parcela considerável poderá se beneficiar da nova aprovação da Anvisa.
O que é mieloma múltiplo e como funciona o novo remédio
De um jeito bem resumido, trata-se de um câncer que atinge células específicas do sistema imunológico: os plasmócitos. Estima-se que mais de 7 mil brasileiros manifestem a doença por ano.
O mieloma múltiplo pode avançar silenciosamente ou trazer, como sintomas, dor nos ossos, problemas renais e infecções recorrentes. Ao suspeitar do quadro, o médico pede exames que acusam sua presença.
Infelizmente, essa encrenca não tem cura. “Mas, com os novos tratamentos, estamos conseguindo fazer os pacientes viverem bem por muito mais tempo”, diz Gusmão. De acordo com ele, os indivíduos chegam a sobreviver 15 ou 20 anos em casos menos agressivos – de novo, lembre-se de que estamos falando de pessoas que costumam possuir mais de 60 anos.
E como o daratumumabe funciona? Aplicado na veia numa frequência que variam de pessoa para pessoa, ele mira diretamente as células malignas que estão circulando pelo corpo, ajudando as próprias defesas do indivíduo a identificarem e atacarem os inimigos. A esse tipo de tratamento se dá o nome de imunoterapia.
Segundo os estudos que foram usados para garantir a aprovação junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o daratumumabe – aplicado em conjunto com outros fármacos – diminuiu em 50% o risco de progressão do mieloma múltiplo. Isso em comparação ao coquetel de medicamentos normalmente empregado nessa situação.
“O mieloma múltiplo é como um vulcão. Ele entra em erupção, mas, com o tratamento, volta a se acalmar. Nosso objetivo é, cada vez mais, estender o período de remissão”, contextualiza Gusmão.
O lado chato da história
Não é legal terminar uma matéria com uma má notícia, porém aqui vamos nós: hoje, todos esses benefícios não passam nem perto do Sistema Único de Saúde (SUS). Aliás, na rede pública o paciente com mieloma múltiplo sequer tem acesso à lenalidomida, outra arma importante contra essa enfermidade que foi aprovada no início de 2018.
“Nesse quesito, estamos dez ou 15 anos atrasados. É uma tragédia”, lamenta Gusmão.