Todos os anos, o Ministério da Saúde lança uma nova campanha de vacinação contra a mesma doença: a gripe. Isso acontece porque a composição do imunizante precisa ser atualizada, já que o vírus que gera a doença em uma temporada de frio não é exatamente o mesmo do inverno seguinte.
A gripe é uma das doenças infecciosas mais comuns da humanidade, com milhões de casos reportados anualmente no Brasil. Ela é causada pelo vírus influenza, que se divide em três tipos (A, B e C), sendo que os tipos A e B são os de maior importância clínica, uma vez que sofrem mutações frequentes e são responsáveis pelas epidemias sazonais da doença – a exemplo da H3N2, uma nova variante do vírus influenza A, que se alastrou no país entre o fim de 2021 e o início de 2022.
Quando o organismo entra em contato com o vírus, ele não o reconhece por inteiro, mas, sim, as suas regiões moleculares, separadamente, de acordo com Sergio Surugi de Siqueira, farmacêutico-bioquímico, doutor em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Chile, professor do curso de Farmácia e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
“Nosso sistema imunológico faz várias respostas contra diferentes partes, sendo que algumas dessas respostas são capazes de neutralizar a capacidade do vírus de fazer doença. O vírus influenza sofre muitas mutações e, frequentemente, elas acontecem exatamente nessas regiões moleculares responsáveis pela resposta capaz de neutralizá-lo”, explica o especialista, que também é membro externo do Comitê de Ética em Pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS).
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Isso significa que, se um dado paciente entrou em contato com uma variante com certa região molecular que levava ao desencadeamento de uma tal resposta, no ano seguinte, se houver mutação nesta mesma região molecular, a reação do organismo contra o vírus não acontecerá como no ano anterior.
“Em resumo, se as regiões moleculares do vírus da gripe mudarem de um ano para o outro, como a resposta imune não acontece contra o vírus na totalidade, mas contra partes dele, a resposta do ano passado já não funciona mais”.
Como saber qual vírus está circulando?
A fabricação de uma nova vacina faz parte de um processo que se inicia com o monitoramento das agências de vigilância sanitária regionais, que enviam seus dados para a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Comitês de experts no assunto e laboratórios também estão atentos a essas informações, que devem ser abertas à população, dada a utilidade pública que têm. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, junto à OMS também monitora os vírus em circulação no mundo, sugerindo qual ou quais devem compor as vacinas do ano seguinte.
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No Hemisfério Norte – e por uma simples questão cronológica –, os vírus mutantes aparecem primeiro. “Como o inverno nos países do Norte acontece antes, é esperado que os vírus circulantes por lá cheguem por aqui depois, no nosso inverno no meio do ano”, diz o farmacêutico-bioquímico.
Essa estação do ano é especialmente importante para entender esse processo por uma série de razões. “Temperaturas mais baixas dificultam nossas defesas naturais, mais ainda quando falamos de doenças respiratórias como um todo, não apenas da gripe. Além disso, em invernos mais rigorosos as pessoas tendem a permanecer mais tempo em locais fechados, o que predispõe mais transmissões e infecções por microrganismos. A circulação da influenza é intensa nessa época do ano”, explica.
Feita a análise do vírus em circulação, e levando em conta que a tendência seja exatamente a mesma por aqui, usa-se a mesma variante (ou cepa) para fabricar a vacina que chegará até a população brasileira e a protegerá, especialmente, entre os meses de julho a setembro, quando a influenza atua de forma bastante típica.
“Essa é uma estratégia adotada que tem dado certo há anos. E mesmo que um vírus mutante surja antes em outros países, isso não significa desvantagem vacinal. A tecnologia empregada nas vacinas da gripe é muito simples e rápida, diferentemente dessas novas, como a da Covid-19. São vacinas de primeira geração, feitas com vírus inativado através de um processo totalmente dominado, simples e rápido, que exige apenas uma adaptação para a nova variante ou cepa. Basta identificá-la molecularmente para dar seguimento à nova vacina”, detalha o especialista.
Há repetição?
O vírus da gripe, eventualmente, se repete de um ano para o outro? “Difícil. Normalmente sofre muitas mutações, sendo isso absolutamente comum e esperado”, esclarece Siqueira. Daí a importância de se vacinar todos os anos.
“Todas as pessoas deveriam tomar a vacina da gripe anualmente. Crianças pequenas com duas doses e todo o resto da população com dose única. A preocupação maior, contudo, é com os idosos. Pela imunossenescência [envelhecimento imunológico natural associado à idade], não apenas a gripe mas doenças infecciosas de modo geral podem ser muito mais graves. Dados de segurança confirmam ser essa uma vacina extremamente segura e com poucos efeitos adversos que, quando acontecem, ficam muito aquém do que a doença pode causar”, explica o farmacêutico-bioquímico.
Variante ou cepa?
Apesar de os termos serem usados quase como sinônimos, eles indicam situações diferentes. De acordo com Siqueira, a variante é explicada por um mesmo vírus, com características semelhantes e mutações em regiões importantes. Cepa, por sua vez, se refere a vírus com um comportamento biológico diferente.
“Essa confusão é frequente e, em se tratando da gripe, normalmente estamos falando em variantes, mas isso não é regra. Só depois de analisar o comportamento do vírus circulante é possível determinar se ele se trata de uma variante ou uma nova cepa”, explica.
*Esse texto foi publicado originalmente pela Agência Einstein.