Pesquisadores criam nova molécula para tratar insuficiência cardíaca
Inovação desenvolvida no Brasil pode fazer a insuficiência cardíaca regredir, algo inédito no seu tratamento, que até hoje só freia a progressão da doença
Boa notícia. Um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos desenvolveu uma molécula que, ao menos em animais, freia o avanço da insuficiência cardíaca e ainda melhora a capacidade do coração em bombear sangue.
Ratos com quadro de insuficiência cardíaca tratados por seis semanas com a molécula, denominada SAMbA, apresentaram não só uma estabilização da doença – como ocorre com os medicamentos atuais – como uma regressão do quadro.
A insuficiência cardíaca pode ocorrer em consequência de um infarto do miocárdio, quando uma artéria coronária entupida impede a oferta de sangue para parte do coração, sobrecarregando o restante do órgão. Como resultado, ele reduz ao longo do tempo sua capacidade de bombear sangue para o corpo.
Os pesquisadores já fizeram o pedido de patente da molécula e da sua aplicação nos Estados Unidos. No futuro, ela pode eventualmente complementar ou mesmo substituir os medicamentos atuais usados para a insuficiência cardíaca, a maioria criada ainda nos anos 1980.
O estudo com a descrição da molécula foi publicado na Nature Communications. O nome SAMbA é um acrônimo em inglês para Antagonista Seletivo da Associação de Mitofusina 1 e Beta2PKC.
A SAMbA consegue impedir a interação entre uma proteína comum na célula cardíaca, a proteína Kinase Beta 2 (Beta2PKC), e a Mitofusina 1 (Mfn1), que fica dentro da mitocôndria, um compartimento da célula responsável por produzir energia.
Quando interagem, a Beta2PKC desliga a Mfn1, impedindo a mitocôndria de gerar energia. Isso diminui a capacidade das células do músculo cardíaco de bombear sangue. Olha a insuficiência cardíaca dando as caras aí…
“Suspeitamos que a interação entre essas proteínas seja, de modo geral, um processo conservado em outras doenças degenerativas que apresentam disfunção mitocondrial”, disse Julio Cesar Batista Ferreira, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB) e líder do estudo, à Agência Fapesp.
Portanto, o pesquisador espera que a molécula possa ser testada em outras doenças cardiovasculares além da insuficiência cardíaca. Ela, por exemplo, ajudaria a controlar patologias como hipertensão.
Benefícios da SAMbA
A equipe liderada por Ferreira já havia demonstrado que a inibição da interação entre Mfn1 e Beta2PKC, que é produzida em excesso na célula com insuficiência cardíaca, melhorava o funcionamento do coração doente. O problema: as tentativas anteriores de bloquear essa comunicação impediam também outras funções da Beta2PKC que eram benéficas para o funcionamento do órgão cardíaco.
A novidade: a SAMbA faz uma inibição seletiva, focando-se apenas na interação da Beta2PKC com a Mfn1. Suas outras ações, importantes para a saúde, permanecem acontecendo normalmente.
Para explicar a diferença, Ferreira faz uma analogia. A célula cardíaca seria como uma empresa, com várias salas. Já a Beta2PKC seria um office boy, que circula pelo corredor do escritório e entra em diferentes salas, conversando com os gerentes do setor correspondente para realizar seu trabalho.
No entanto, quando entra em uma sala específica, o office boy impede um gerente específico de trabalhar. É o tal Mfn1.
Aí que está: na primeira molécula desenvolvida pelo grupo do ICB, era como se as portas de todas as salas se fechassem. O office boy não atrapalhava mais o gerente Mfn1, mas também não entrava em nenhuma outra sala e a empresa (a célula cardíaca) não funcionava harmonicamente.
O que a SAMbA faz é travar somente o diálogo da Beta2PKC com a Mfn1 presente na mitocôndria. “É como fechar apenas a porta da sala em que o office boy não deve entrar, mantendo a empresa em pleno funcionamento”, explicou Ferreira.
Os experimentos em ratos
Após testes iniciais, os pesquisadores induziram um infarto em ratos. Depois de um mês, o coração deles apresentava um quadro de insuficiência cardíaca. Cada bichinho recebeu então um dispositivo embaixo da pele que liberava pequenas quantidades da SAMbA.
Diferentemente dos animais que ganharam uma substância controle, os que receberam a SAMbA tiveram não só a doença bloqueada como uma melhora na função cardíaca.
“As drogas atuais freiam o avanço da doença, mas nunca fazem com que ela regrida. O que mostramos é que, ao regular essa interação específica, podemos trazer a doença para um estágio mais leve”, diferenciou Ferreira.
O próximo passo é disponibilizar a molécula SAMbA para outros cientistas testarem-na em diferentes doenças e modelos experimentais. Além disso, é necessário examinar a ação da molécula com outros medicamentos usados atualmente no tratamento da insuficiência cardíaca.
“A validação e a reprodução dos achados por outros grupos são críticos no processo de desenvolvimento da SAMbA como possível terapia na insuficiência cardíaca. Para isso, a busca de parceiros dos setores privado e público é necessária”, ponderou Ferreira.
Este conteúdo foi produzido pela Agência Fapesp.