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OAB da medicina: “Primeiro, os pacientes. Os médicos que se preparem melhor”

Em entrevista à VEJA SAÚDE, César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), discute o cenário atual da categoria

Por Chloé Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
6 Maio 2025, 15h06
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César Eduardo Fernandes posa com nova edição da Demografia Médica no Brasil  (AMB/Reprodução)
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A última edição da Demografia Médica no Brasil, realizada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, aponta que o país passa por um crescimento vertiginoso no número de médicos em atuação.

Hoje, são quase 600 mil profissionais, marca que será ultrapassada ainda este ano. E as projeções apontam tendência é de alta por pelo menos mais uma década.

Parece algo a se comemorar, certo? Mas, na verdade, a qualidade da formação destes profissionais preocupa, alerta César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, em entrevista à VEJA SAÚDE.

A entidade defende a realização de um exame de proficiência para os graduandos e formandos em Medicina, nos moldes do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A prova, chamada de “OAB dos médicos”, está sendo discutida em um projeto de lei que tramita no Senado.

Abaixo, Fernandes explica o posicionamento e comenta outros destaques da pesquisa, como a expansão das escolas de medicina, a porcentagem de médicos especialistas e desigualdades na distribuição de profissionais pelo país.

VEJA SAÚDE: Houve um aumento expressivo no número de médicos no Brasil nos últimos 10 anos. Esse crescimento é positivo?

César Eduardo Fernandes: Tenho duas leituras sobre esse dado. Primeiro: será que precisamos de mais médicos? Em números absolutos, estamos bem. Nossa razão de médicos é de 3 profissionais para cada mil habitantes, maior do que Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.

Mas ainda temos áreas que são vazios assistenciais, e temos que promover acesso ali. Só que não é formando mais médicos que resolveremos esse problema.

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Por quê?

Em algumas regiões, o mercado já está até saturado, enquanto em outras faltam profissionais. E eles não vão a essas áreas porque não há atratividade.

Todas as políticas de saúde dos últimos governos foram de contratação por caráter efêmero, mas é preciso criar uma política de estado, de provisionamento de médicos, para que ele se fixe no local e construa uma carreira. E isso inclui também oferecer condições para o bom exercício da profissão, com estruturas adequadas, boas equipes de enfermagem, remuneração justa…

As pessoas confundem medicina com sacerdócio, mas o médico é um profissional, que vai trabalhar em locais onde possa exercer suas competências.

E qual é a segunda leitura sobre o aumento do número de médicos?

Me preocupa a velocidade e a fúria na formação de novos profissionais. Em breve, teremos um número excessivo de médicos — imagina-se que, em 10 anos, serão 5 por habitantes —, e médicos muito mal preparados.

São médicos que estudam em escolas onde faltam docentes, falta campo de ensino, que também cresceram significativamente. E o médico não se forma assistindo vídeos ou fazendo provas, mas sim atendendo pacientes, tendo contato constante com os professores. E isso falta nestas escolas.

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Até por isso, defendemos o exame de proficiência médica. Do jeito que está hoje, a pessoa sai da faculdade com o certificado de conclusão de curso e já ganha seu registro profissional, e está, portanto, habilitado legalmente a atender pacientes. Mas não sabemos a qualidade desta formação.

Como avalia a expansão dos cursos de medicina? É necessário seguir abrindo faculdades e vagas?

Temos 440 escolas de medicina, mais 95 escolas autorizadas a abrir, em municípios pequenos, e cerca de 190 com processo judicial com ganho de causa.

Ou seja, chegaremos em breve a mais de 700 escolas de medicina, o que é um descalabro total. O Brasil já é o segundo país com mais escolas médicas do mundo, só perde para a Índia, que tem 600, mas com uma população 6 vezes maior que a nossa.

Isso começou com uma ideia provavelmente boa, de aumentar a disponibilidade de médicos no país, mas se perdeu com o tempo e muitas destas instituições viraram grandes negócios. É preciso haver regras mais rígidas.

Como a qualidade destas instituições é aferida?

Essa é uma responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem uma iniciativa sem peso legal de avaliação, mas não é punitiva e não tem braços para fazer todo o trabalho. Entre 10 e 15 escolas são avaliadas por ano. Na AMB, também não temos instrumentos para isso.

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Mas é certo que o MEC precisa criar um mecanismo de fiscalização com consequências, como restrição de vestibular, de abertura de vagas, caso a escola não atenda aos requisitos de qualidade.

A última avaliação do Enade [Exame Nacional de Avaliação de Desempenho de Estudantes] mostrou que 25% das escolas médicas são consideradas ruins. E o que acontecerá com elas? Nada.

A Demografia Médica aponta que 60% dos médicos possui registro de especialista e 40% não. Como o senhor avalia essa taxa?

O problema é que o médico generalista hoje não sai da faculdade pronto para atuar. Hoje ele é um médico sem formação adicional nenhuma.

Já 60% de especialistas a princípio é um bom número, o ponto é que não estão bem distribuídos. Há uma carência significativa em cidades menores e estados mais carentes.

Além disso, precisamos aumentar as vagas e melhorar a qualidade da residência médica, que forma os especialistas. Hoje, ela é avaliada por uma Comissão Nacional de Residência, que no momento não tem o aparato necessário para fazer a fiscalização.

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A palavra de ordem diante disso tudo é qualidade. Falamos muito de números hoje, mas não discutimos a qualidade, que não está bem aferida. Será que os tantos especialistas que temos são de boa qualidade? Não sei, não medimos isso.

Qual a visão da AMB sobre a “OAB dos médicos”? Como ela deveria funcionar?

Somos a favor. Há duas possibilidades: fazer um exame de proficiência para todos os egressos de Medicina, ou uma avaliação seriada ao longo do curso. Isso deve ficar a cargo do MEC.

Idealmente, seria a mesma prova para todos os estudantes do Brasil, feita por uma instituição independente, e uma avaliação prática também, da relação médico-paciente e das condutas do profissional.

O projeto de lei atualmente em tramitação no senado é bom, mas precisa ser melhor discutido. E há muita gente contra ele, achando que a medida “ataca o médico recém-formado”. Mas coitado é o paciente, que será atendido por um profissional que não tem as competências necessárias.

Primeiro, o paciente. E o médico que se prepare melhor para refazer seu exame se necessário.

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Qual é o impacto para a saúde da população do aumento de médicos mal formados? Isso tem relação com a desinformação propagada por alguns profissionais?

Não sei se há uma conexão. Se é um problema na formação que faz o médico veicular informações falsas ou se é uma pessoa que tem vícios éticos, então não posso dar essa resposta. Mas, de todo modo, é recriminável que médicos procedam deste modo.

Agora, o profissional mal formado pode ter muito mais dificuldades reais para estabelecer diagnósticos corretos, e atrasar tratamentos que poderiam oferecer mais qualidade de vida ao paciente.

Além disso, ao fazer diagnóstico equivocados, ele irá oferecer tratamentos equivocados, pedir mais exames, onerar o sistema de saúde… Então certamente a má formação médica pode oferecer riscos à população.

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