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O que de fato são cuidados paliativos e as lições do caso Pelé

Tema importante e pouco debatido pela sociedade, esse conjunto de medidas proporciona conforto, qualidade de vida e dignidade a doentes e seus familiares

Por Chloé Pinheiro
13 dez 2022, 18h00

Recentemente, foi divulgado pela imprensa que Pelé não estaria mais respondendo ao tratamento que faz contra um câncer e, por isso, estaria “em cuidados paliativos”. A notícia, logo interpretada como um sinal do fim da vida do craque e motivo para condolências, foi negada pela família. 

Mesmo assim, o fato gerou uma onda de comoção e evidenciou a falta de conhecimento generalizada sobre o assunto. Em primeiro lugar, receber cuidados paliativos não é algo ruim. Esse conjunto de medidas visa aliviar o sofrimento e acolher pessoas com doenças graves ou crônicas, curáveis ou não, e seus familiares. 

“Significa que a pessoa está recebendo um cuidado digno, que visa controlar sintomas, trazer conforto e considera se os tratamentos estão trazendo mais danos do que benefícios”, resume o médico paliativista Douglas Crispim, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)

Uma das ideias gerais dos cuidados paliativos é não acelerar nem adiar a morte com intervenções desnecessárias. Mas eles não entram em jogo só quando o fim da vida é discutido. Pelo contrário, os estudos mostram que ajudam doentes a voltarem à rotina, terem mais qualidade de vida e controlarem melhor seus sintomas. 

“Inclusive, há pesquisas mostrando que pacientes que recebem essa assistência vivem por mais tempo, porque sofrem menos”, aponta Crispim. 

+ Leia tambémCuidados paliativos: pensar em como queremos morrer faz parte do viver

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Porém, graças aos estigmas e à falta de acesso, hoje boa parte das famílias só ouve falar em cuidados paliativos quando o indivíduo já está em fase terminal, daí a associação errônea com a morte ou com uma ideia de que “não há mais o que se fazer”.  

Afinal, o que são os cuidados paliativos?

Como adiantamos, o principal objetivo do cuidado paliativo é controlar sintomas de doenças (como dor, incapacidade de movimentação e outros), oferecer suporte psicossocial e amenizar efeitos colaterais de tratamento. 

“Não quer dizer que a pessoa está morrendo, mas sim que tem uma doença grave que traz sofrimento”, esclarece a psicóloga e paliativista Silvana Aquino. 

Esse sofrimento não é só físico – se estende por várias áreas da vida de uma pessoa diagnosticada com um problema sério de saúde. “Buscamos promover uma camada extra de conforto também às dores emocionais, sociais, financeiras e espirituais num momento em que o indivíduo está fragilizado e necessitando de um olhar completo”, aponta Crispim.

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Para isso, entram em cena vários especialistas: além dos próprios médicos paliativistas e outras especialidades necessárias para manejo de sintomas, recorre-se a fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, etc. A equipe cuida do doente e da família

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Não existe um manual de intervenções, pois cada situação demanda ações específicas. Entretanto, há o princípio norteador de valorizar sempre a vida, mas com qualidade. Na prática, significa não realizar tratamentos desproporcionais, que prolonguem a vida, mas tragam sofrimento e limitem a autonomia da pessoa. 

Cuidados paliativos não são só para quem está morrendo 

Esse é um dos aprendizados em relação à história do Pelé. É errado dizer que “já que a quimioterapia não está funcionando, a pessoa ficará em cuidados paliativos”. 

Até existem os cuidados paliativos exclusivos, quando se interrompe tratamentos para focar em oferecer conforto no fim da vida. Mas essa deveria ser a última parte final de uma jornada de cuidado iniciada já no diagnóstico da condição. 

“A equipe pode atuar de maneira concomitante à qualquer intervenção que cure ou reduza o avanço de uma doença, controlando sintomas e reabilitando a pessoa em paralelo ao tratamento curativo”, diz Silvana. 

Eles podem ser acionados sempre que há uma ameaça à vida, mas que pode ser revertida – um câncer ou um caso grave de Covid, por exemplo – ou evoluirá muito lentamente, por anos e anos, como demências e o Alzheimer

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+ Leia também: Cuidados paliativos: precisamos discutir e praticar mais

Pessoas que tiveram um acidente vascular cerebral ou lidam com doenças que comprometem pulmões, rins, fígado e outros órgãos também se beneficiam desse atendimento especializado. 

Longe de ser um preparo para a morte, a estratégia ajuda o paciente a ganhar o máximo de autonomia possível dentro de suas limitações. 

“Quem se sente mais ofendido com essa associação são os próprios pacientes, que tratam suas doenças e recebem cuidados paliativos há anos, sem deixar de fazer suas atividades diárias e viverem suas vidas”, comenta Crispim. 

Ele e Silvana lamentam, contudo, que essa visão integrada seja raridade no país. “Hoje, o paciente é encaminhado para os cuidados paliativos só quando se entende que sua doença não pode mais ser curada”, expõe a psicóloga.

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Não é sobre morte, mas também é sobre ela 

Para embarcar em uma jornada onde o objetivo seja viver bem, e não necessariamente viver mais, é preciso falar sobre o final da vida. Está aí um assunto difícil de encarar de frente, mesmo por profissionais de saúde.

“Nossa cultura considera que salvar a vida é algo matemático, e que a pessoa viver significa manter seus sinais vitais estáveis a qualquer custo. Mas a vida em si não é só um coração batendo”, diz Crispim. 

Por conta disso, aponta o médico, quem adoece passa, hoje, por uma via crucis de muito sofrimento para evitar uma morte que é inevitável (como todas são). “O paliativismo valoriza a vida, mas considera que a morte também faz parte dela”. 

Claro, essa mudança de paradigma não é nada fácil. Daí surgem as confusões na hora de falar sobre o tema e o medo ao ouvir a palavra num hospital. 

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“Isso faz com que a morte no Brasil ocorra longe da família, dentro de unidades de terapia intensiva, com o indivíduo todo conectado a aparelhos e com baixa disponibilidade de medicamentos para dor”, pontua Crispim. Além de doloroso, esse processo custa mais caro para o sistema de saúde. 

Situação do Brasil é crítica 

Os cuidados paliativos são valorizados nos Estados Unidos e nos países da Europa, mas no restante do mundo o acesso é desigual. Não à toa, a Organização Mundial da Saúde considera a falta de disponibilidade dessa abordagem uma emergência de saúde pública

“Não deveríamos estar discutindo esse assunto assim, quando há uma polêmica envolvendo uma celebridade. A grande questão a ser levantada é: por que, quando adoece, a maioria dos brasileiros morre com dor e longe de seus familiares?”, questiona Crispim. 

O país é o único país da América Latina onde o paliativismo não é uma especialidade médica formalmente reconhecida (é considerada uma subespecialidade). E estamos regredindo

Em 2015, o Brasil ocupava a 42ª posição num ranking de 80 países sobre qualidade da morte. Em 2021, em um novo ranking com 81 nações, caímos para a 79ª, ou seja, o terceiro pior lugar do mundo em assistência a pessoas no fim da vida. 

“Temos cerca de 200 serviços de cuidados paliativos, o que é muito pouco, e, em sua maioria, concentrados no Sul e no Sudeste”, lamenta Silvana. 

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