Profissionais que atuam nas áreas de medicina esportiva e de pediatria do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), em São Paulo, observaram que 86% dos adolescentes atendidos por lá são considerados sedentários.
“Nosso perfil de atendimento no hospital é de filhos e netos de funcionários públicos do Estado de São Paulo, mas, como essa é uma tendência mundial, entendemos que os números não são diferentes no resto do Brasil”, afirma Silvana Vertematti, pediatra e médica do esporte, responsável pelo ambulatório de adolescentes com foco em atividade física do HSPE.
Perda de força muscular e de habilidades motoras são as principais consequências do sedentarismo, que eleva ainda o risco de depressão, distúrbios do sono obesidade e hipertensão, entre outros problemas.
Esse alto índice de inatividade física tem como principal suspeito o abuso das telas.
A médica relata que há jovens que chegam a passar 15 horas diárias em frente a elas. Falamos de videogame, celular, computador, televisão e tablet.
Não se mexer nessa fase pode ter consequências para o resto da vida, porque é o momento de maior desenvolvimento das habilidades motoras e intelectuais.
“Há um pico dos 7 aos 11 anos em que a neuroplasticidade está maior, ou seja, o cérebro está mais ‘flexível’ e disposto a aprender”, explica Silvana.
Essa tendência vai até o início da vida adulta, por volta dos 20 anos. Chegar sedentário aí é preocupante.
“Existe até um termo para isso: analfabetismo físico. É quando o indivíduo perde essa janela de aprendizado e terá mais dificuldade de adquiri-la mais tarde”, conta a médica. O resultado são adultos sem agilidade e com poucas habilidades motoras.
Como mudar essa realidade?
Se o adolescente já estiver com algum problema de saúde, primeiro é preciso buscar uma avaliação completa com um médico. Pode haver a necessidade de contar com tratamento medicamentoso e/ou apoio psicológico.
Aos poucos, a atividade física entra no roteiro. “Quando você trata uma doença, não toma remédio com uma regularidade? Então, é o mesmo com atividade física”, explica Silvana.
Para os adolescentes que ainda não viram a saúde degringolar, é igualmente importante sair do sofá. Até para prevenir as panes no corpo.
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E não há receita de bolo. A ideia é incluir exercícios aeróbicos e de força dentro da realidade de cada jovem. É uma mistura entre encontrar o que dá prazer e aquilo que é possível praticar.
Famílias com maior poder aquisitivo têm a oportunidade de frequentar um clube, onde geralmente há uma gama de atividades para experimentar.
Para a grande parcela que não tem condições de frequentar esses espaços, o desafio é maior. “Não temos mais tantas praças e quadras nos bairros, há violência, o acesso a áreas livres é escasso. Por isso, não é simples”, reconhece a médica.
Mas há algumas saídas. Para os mais novos, brincadeiras ativas já trazem benefícios. Caminhar é outro exemplo de atividade simples. Também dá para dançar, andar de bicicleta e buscar um esporte feito em equipe.
As aulas de educação física na escola, segundo Silvana, são um importante primeiro passo para despertar o corpo, mas são insuficientes. É como se um adulto decidisse fazer academia uma vez por semana: isto é, bem longe do que é recomendado pelos médicos.
Recomendações de atividade física da OMS, dos 5 aos 17 anos:
• Ao menos 60 minutos por dia de atividade física, em média, com intensidade moderada a vigorosa
• Atividades que fortalecem músculos e ossos devem ser incorporadas pelo menos 3 dias por semana
• Restrições para aqueles com “incapacidade”: devem começar com pequenas quantidades de atividade física e aumentar gradualmente a frequência, intensidade e duração. É recomendada uma consulta com um profissional de saúde especialista na condição antes do início da prática.
Médicos explicam que o exercício moderado é aquele em que é possível cantar ou conversar no meio dele. O ideal é que ele seja intercalado com atividades mais intensas.
Dá para ficar longe das telas?
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatra (SBP), o ideal é evitar acesso a televisão, tablet, celular e afins antes dos 2 anos de idade. Para a turma entre 11 e 18 anos, a entidade recomenda “limitar o tempo de telas e jogos de videogames a duas ou três horas por dia, sempre com supervisão”.
Mas, na prática, os pais sentem muita dificuldade em realizar esse controle.
Para Nikolas Heine, psiquiatra do Hospital Nove de Julho, da rede de saúde integrada Dasa, é importante observar o comportamento do filho e fazer negociações.
É que o jovem está em uma fase de bastante impulsividade e dúvida, já começando a sentir cobranças sobre seu futuro. “Tirar totalmente o celular não é o caminho, porque o jovem fica ainda mais ansioso e perdido”, avalia o psiquiatra.
Além disso, essa geração nasceu no meio digital, já usa essas ferramentas para estudar e esse vínculo será levado à vida adulta. O segredo é não abusar, segundo Carolina Pavanelli, líder pedagógica da Árvore, plataforma de leitura.
“Penso que é um papel da escola e da família, em conjunto, educar as crianças sobre esse uso e identificar se ele está sendo proveitoso”, avalia Carolina.
Para fazer essa análise, é essencial ficar de olho em certos comportamentos. “A criança está lendo um livro, portanto, trabalhando ativamente sua cognição? Ou ela está apenas consumindo vídeos curtos em redes sociais, de forma passiva?”, exemplifica.
Uma boa pedida é utilizar aplicativos que contam o tempo de tela e registram os recursos mais utilizados. “Se um adolescente estiver passando muitas horas em uma rede social, é possível conversar e criar uma meta para reduzir esse intervalo ou substituí-lo por outra atividade”, aponta Heine.
Alguns modelos de celular já vem com esses recursos na configuração, aliás.
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Em paralelo, é fundamental estimular a criança ou o jovem a compreender que o mundo vai além do universo virtual. Jogos físicos e passeios auxiliam nisso.
“A tela afunila a nossa percepção de realidade. É preciso expandi-la com outras experiências”, pontua o psiquiatra.
Ele relata que, além do sedentarismo, a questão das telas chega a manter a criança mais isolada, sem amigos. “Elas ficam mais irritadas, ansiosas e podem desenvolver depressão. Os pais não precisam se cobrar a fazer diagnósticos. Mas devem procurar ajuda de profissionais para medir esses excessos”, opina o médico.
Ainda é válido perceber que o abuso de tecnologia tende a ser associado ao consumo exagerado de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas. Um combo bastante perigoso para a saúde em geral.
Só que, hoje em dia, há muitos pais que são sedentários, comem mal e também vivem imersos no mundo digital. Por isso, o processo de reeducação, em todos os âmbitos, deve envolver a família inteira.