Em fevereiro de 2011, recebi meu primeiro diagnóstico crônico: esclerose múltipla.
O processo de aceitação de uma doença que não vai embora é extremamente complexo. Família, círculo social, amigos, trabalho, finanças, espiritualidade… Tudo isso influencia a maneira de encarar um desafio dessa magnitude.
Um desafio que, tantas vezes, vai nos acompanhar a vida inteira. E, mesmo tendo apoio em todas essas esferas — como eu felizmente tive —, ainda assim, não é nada fácil.
Há quem não tenha nenhum suporte e caia em um silêncio perigoso. Tem também aqueles que, mesmo com o maior apoio do mundo, optam por seguir sua vida, sem se engajar na causa. E tudo bem! Nem todos viram ativistas. Somos tão múltiplos quanto a doença autoimune
que me acomete.
Mas, no meu caso, o suporte que recebi ajudou a tornar o diagnóstico um propósito de vida.
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Diante de uma condição de saúde, há quem seja “paciente” e quem seja “impaciente”.
Eu definitivamente pertenço ao segundo grupo. Resolvi abraçar a causa — por mim e por milhares de outros brasileiros.
Desde 2012, estou à frente da Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), uma associação que criei com o objetivo de promover informação e qualidade de vida entre pessoas com essa doença crônica que afeta o sistema nervoso, podendo causar sintomas como fadiga, dificuldade de locomoção e perda de visão.
Também começamos a contribuir com o desenvolvimento de políticas públicas nessa área. Na época, a condição com a qual fui diagnosticado não tinha muitas opções de tratamento disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
Tenho a alegria de dizer que colaboramos para mudar essa realidade, e ela melhorou consideravelmente. Nossa voz foi — e continua sendo — ouvida. Hoje ocupamos uma cadeira no Conselho Nacional de Saúde.
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Com o tempo, a AME foi acumulando aprendizados e conquistas. Foi reconhecida, em 2017, como a principal produtora de conteúdo sobre a doença no Facebook no mundo pela instituição americana WeGo Health.
No mesmo ano, participamos ativamente da incorporação de tratamentos no rol que define a cobertura pelos planos de saúde.
Em 2018 e 2019, o Instituto Filantropia nos colocou no ranking das 100 melhores e mais transparentes ONGs do Brasil. Quando me dei conta, havíamos nos transformado em uma inspiração para outras organizações de pacientes.
Foi nesse contexto de impaciência e cronicidade que vivi as maiores satisfações da minha vida profissional. Então senti que era necessário avançar e dar mais um passo para englobar as condições crônicas como um todo, e não apenas a esclerose múltipla — por mais que essa seja uma missão única e valiosíssima.
Formava-se aí a associação Crônicos do Dia a Dia, ou CDD. Essa organização olha para os diagnósticos pautada pela saúde, não pelas doenças.
Por meio dela, criamos campanhas de educação para pessoas com diferentes condições, entre raras e prevalentes.
Sempre com o intuito de dar a esses pacientes a oportunidade de viver melhor.
Asma, DPOC, neuromielite óptica, osteoporose, dermatite atópica… Abordamos muitos assuntos. E, assim como na AME, não nos furtamos aos debates de políticas públicas, tão essenciais diante de problemas de saúde complexos e das inovações da medicina.
O cidadão que tem uma condição crônica de saúde precisa ser ouvido, e não apenas de forma lateral, quando é convidado a descrever “como nos sentimos”.
Somos protagonistas dessa história e podemos aprender e entender o sistema de saúde, ao mesmo tempo que conhecemos na pele nossas patologias.
Com essa visão e a minha impaciência, ganhei a oportunidade de liderar um movimento de pacientes dedicados a contribuir para o aperfeiçoamento dos processos de avaliação de tecnologias em saúde na América Latina — é o Patient Representative Roundtable da Ispor (The Professional Society for Health Economics and Outcomes Research).
E, lançando mão de minhas experiências anteriores, participei da fundação da Febrararas (Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras) e da Biored Brasil, rede de entidades unidas em prol da qualidade e do acesso a tratamentos biotecnológicos, frequentemente indicados, mas nem sempre disponíveis, a indivíduos que convivem com uma doença crônica.
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Eu nunca me imaginei como um ser completo.
E, portanto, sempre quis mais. Sempre quis aprender algo novo, olhar outras culturas e conhecer pessoas, sabores e lugares que me desafiassem e me fizessem progredir.
A permanência de um diagnóstico crônico me tornou ainda mais impaciente, no sentido positivo dessa expressão.
A minha esclerose múltipla catalisou uma revolução pessoal e espiritual. Uma revolução com repercussões sociais.
Talvez seja essa a minha melhor mensagem para você. Ter um diagnóstico não é fácil — e longe de mim passar uma impressão errada.
Mas a incerteza do presente e até o medo do futuro não precisam nos relegar a um espaço de espera passiva ou estagnação. Cada um, à sua maneira, pode viver uma vida plena, mesmo com uma doença grave e sem cura conhecida.
Pude sentir muito amor, dia após dia, ao longo da minha jornada. É a minha vida que evolui, e não a doença que tenho. E isso acontece graças a uma tomada de decisão e a uma mudança de postura diante dela.
Graças também ao suporte de profissionais de saúde competentes e empenhados e à evolução da medicina e das políticas públicas. Graças a essa impaciência toda.
Impaciência crônica, eu diria, que tem me rendido muito afeto. De todos os feitos, ao longo de toda a jornada, o único que espero manter pacientemente a permanência é o de ser pai.
Gustavo San Martin é formado em administração de empresas, com especialização em empreendedorismo. É fundador e diretor-executivo das associações Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD).