Gripe aviária: 7 pontos sobre o novo momento da doença no Brasil
Em entrevista, a presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Helena Lage Ferreira, esclarece dúvidas sobre o episódio e os impactos para a população

O registro do primeiro foco de gripe aviária em granja comercial no Brasil chama a atenção para a importância da vigilância do vírus influenza H5N1.
A detecção no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul, provocou um conjunto de ações pelo governo federal, envolvendo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e o Ministério da Saúde.
O Mapa enfatiza que o vírus não é transmitido pelo consumo de aves ou ovos e que não há necessidade de restringir esses alimentos. Além disso, informou que o risco atual de infecções em pessoas é baixo e ocorre pelo contato com animais infectados, vivos ou mortos.
O episódio desencadeou suspensões parciais e totais da exportação de aves pelo Brasil. Na noite de quarta-feira, 21, o serviço veterinário oficial concluiu a limpeza e desinfecção da área onde foi confirmado o foco. No dia seguinte, teve início o período de 28 dias de vazio sanitário.
Os protocolos internacionais preveem que, diante da ausência de novos focos nesse intervalo, o país pode se autodeclarar livre da doença na região.
Os indivíduos potencialmente expostos ao vírus são monitorados pelo Ministério da Saúde. Até o momento, um caso suspeito envolvendo um trabalhador da granja foi descartado após análise de amostra pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para esclarecer o cenário e as principais dúvidas sobre os impactos do registro inédito da doença em aves comerciais no país, VEJA SAÚDE conversou com a presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) Helena Lage Ferreira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
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Focos de gripe aviária em granjas comerciais já ocorreram em outros países, o que representam no contexto da saúde pública?
Esse é um vírus adaptado aos animais, altamente contagioso, que causa uma doença muito grave nas aves, com uma taxa de letalidade altíssima, como vimos nesse caso, de 80 a 100% dos animais infectados.
Como o Brasil é o maior exportador de carne de frango, precisa respeitar algumas normas da Organização Mundial de Saúde Animal. Uma delas é a notificação imediata da identificação do vírus da influenza aviária em uma granja comercial, que foi o caso recente. A notificação é feita inclusive aos países parceiros comerciais.
É importante destacar que todo esse cenário de emergência havia sido avaliado e estava previsto. Temos várias espécies de animais silvestres que têm sido infectadas e que morrem após o contágio. É um vírus que tem circulado na fauna silvestre e se disseminado entre diferentes países e continentes.
A partir do momento em que há identificação em um galpão comercial, existe toda uma legislação que envolve procedimentos para conter a doença naquele foco. O serviço veterinário oficial, a nível federal, estadual e municipal, tem trabalhado para conter esse foco, para que a doença não se espalhe.
Nesse cenário, há necessidade de alguma mudança de comportamento pela população?
A notícia não deve causar nenhuma preocupação à população em relação ao alimento consumido. Inclusive, as aves que foram identificadas como positivas, que ficaram doentes e foram afetadas pelo vírus, foram eliminadas e não tinham como destino final a produção de alimentos, mas sim a produção de material genético.
Esse não é um vírus de transmissão vertical, aquela que ocorre de mãe para filho. E ele também é eliminado com o cozimento dos alimentos. Isso significa que não existe nenhuma necessidade da população em mudar comportamentos devido a esse episódio.
Reforçando que todos devem manter os cuidados básicos para a manipulação de alimentos crus e cozimento adequado para evitar o consumo de micro-organismos que causam problemas à saúde, incluindo a Salmonella, por exemplo.
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O que o monitoramento global diz sobre a circulação do vírus da gripe aviária?
O vírus tem circulado de maneira muito importante, adaptado para diversas espécies, tanto aves quanto mamíferos, domésticos e silvestres.
Consideramos esse cenário uma atual panzootia considerando o espalhamento entre continentes. Alguns grupos relataram, a partir de expedições na Antártida, diversas espécies silvestres afetadas, até mesmo algumas colônias, o que nos causa uma preocupação em termos de biodiversidade.
Para termos uma ideia de dimensão, nesse foco atual no país estamos falando de uma produção com estimativa de 17 mil aves. No mundo todo, desde 2020, temos mais de 170 milhões de aves possivelmente afetadas pelo vírus da influenza aviária.
Então, é um agente que realmente tem causado um prejuízo enorme e uma grande preocupação. Em caso recente nos Estados Unidos, aves de postura que produzem os ovos têm sido muito afetadas, o que gerou diminuição da oferta do produto por lá.
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Como acontece o contágio?
A ave sadia pode ficar doente após o contato com as partículas virais presentes em secreções de animais doentes ou em objetos contaminados.
A partir do momento em que ela se infecta, o vírus começa a se multiplicar em diferentes órgãos da ave, sendo eliminado pelas fezes e secreções respiratórias e orais. Isso faz com que o micro-organismo seja eliminado em uma quantidade muito alta no ambiente, favorecendo a transmissão.
Para os seres humanos, observamos que o maior risco está no contato com animais infectados. Precisamos lembrar que, atualmente, não há nenhum relato de transmissão do vírus entre pessoas.
O que acontece são contágios esporádicos, muito raros, de um indivíduo que teve contato com animais, especialmente na ausência do equipamento de proteção individual. Então, as pessoas que trabalham em granjas têm o maior risco de infecção, desde que não estejam portando os EPIs.
As medidas de contenção e erradicação do foco previstas no plano nacional de contingência são eficazes para conter o problema?
As medidas foram revisadas, estão de acordo com as estratégias utilizadas por outros países, e foram adaptadas para a realidade do Brasil pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Houve diversos treinamentos para que os profissionais dos serviços federal e estaduais pudessem fazer todos os procedimentos descritos no plano nacional de contingência.
Então, o serviço veterinário oficial vem se preparando para uma situação de emergência. Observamos que o ministério tem tomado todas as precauções e agido de forma muito séria para conter a disseminação desse foco.
Medidas como a interdição da granja a partir do momento da suspeita, o diagnóstico rápido, a visita de propriedades dentro do foco e proximidades, a instalação de barreiras sanitárias são importantes e eficazes para conter esse foco da doença.
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Quais podem ser os possíveis desdobramentos desse foco de gripe aviária no país? Há preocupação com novos episódios?
O sistema de vigilância vem funcionando desde 2023, quando tivemos a identificação de gripe aviária em aves silvestres. O Ministério da Agricultura, juntamente com o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Saúde, tem trabalhado para esse tipo de situação. O sistema fica mais sensível porque também fica mais alerta.
Dentro do painel, observamos que existem investigações em andamento neste momento. Porém, isso já vem acontecendo nos últimos dois anos. A questão é monitorar, dentro das proximidades daquele foco, análises a serem confirmadas ou descartadas. Essa é a maior preocupação, mas existe um sistema de vigilância muito sensível para a identificação de novos casos.
O Ministério da Saúde informou que foi descartado o caso suspeito em um trabalhador da granja onde foi identificado foco da doença em aves. Por que é importante esse monitoramento?
Esporadicamente, esse vírus da gripe aviária pode infectar pessoas, especialmente aquelas em contato com secreções das aves infectadas ou em um ambiente muito contaminado, como um galpão ou até mesmo um zoológico.
Trabalhadores que tiveram contato com os animais apresentam risco moderado, especialmente se não estiverem utilizando o equipamento de proteção.
Nesse caso, também existe um plano de vigilância para identificar casos suspeitos. Eles são monitorados e testados. Um resultado negativo indica que a pessoa esteve exposta, mas não foi infectada, o que é uma boa notícia. Contudo, ainda não temos a informação de quantas pessoas estão sendo monitoradas.
Em termos de ações em saúde pública, há mudanças com o registro desse foco?
Com os dados disponíveis, não temos como falar em qualquer tipo de mudança. É o registro de uma doença em animais, existem pessoas que foram expostas, estão sendo monitoradas e, até o momento, tivemos a divulgação de um resultado negativo.
Com o sequenciamento das amostras, poderíamos fazer a análise genômica do vírus. De qualquer forma, o mais importante é prosseguir com o monitoramento de casos suspeitos e de contatos.
Se os resultados continuarem negativos, não existe nenhuma mudança no cenário da saúde pública, ou seja, o risco para influenza aviária permanece para as pessoas que têm maior exposição, como os trabalhadores, mas não para a população em geral.