Já está disponível no Brasil um novo teste que promete melhorar as indicações de quimioterapia em situações específicas do tratamento do câncer.
O exame, chamado de Onco-PDO, cria uma versão em miniatura do tumor em laboratório, a partir de células extraídas do próprio indivíduo.
Com essa réplica, chamada de organoide, em mãos, os profissionais testam diferentes quimioterápicos para ver qual deles atuará melhor contra aquele câncer específico. A partir daí, definem o esquema terapêutico.
Em estudos já publicados, o método e outros similares demonstraram uma capacidade preditiva superior a 80% para a resposta à quimioterapia em tumores gastrointestinais e colorretais metastáticos (aqueles que se disseminaram para outros tecidos).
“De maneira geral, os tratamentos de primeira linha [iniciais] são muito bem definidos, o oncologista sabe qual quimioterapia irá funcionar. Porém, se eles não têm o efeito esperado, nem sempre está estabelecida qual é a melhor abordagem”, explica o oncologista Alexandre Jácome, da Oncoclínicas, em Belo Horizonte (MG).
É nesse contexto que o teste entraria, para ajudar a solucionar casos mais complicados.
No país, ele é oferecido pela empresa Invitrocue, que adquiriu a tecnologia em Singapura. Tudo é feito em território nacional, com exceção do laudo, enviado para uma empresa na Alemanha.
Hoje, o procedimento custa cerca de R$ 25 mil, não é coberto por planos de saúde, e o resultado sai em cerca de 21 dias.
O que são os organoides
Os organoides são uma tecnologia recém-desenvolvida, que basicamente recria em laboratório estruturas do corpo para avaliar seu funcionamento.
Diferentemente de uma cultura de células, onde elas ficam agrupadas em uma placa de vidro, aqui elas se auto-organizam em seu formato “original”, digamos assim. Para isso, podem ser usadas diversas técnicas, como a bioimpressão e a preparação de um ambiente especial.
No caso do câncer, o modelo 3D é construído a partir de células retiradas de biópsias ou cirurgias. E é preciso que a célula esteja “fresca”, ou seja, não tenha sido congelada, como costuma ocorrer com as amostras para estudos moleculares e genéticos.
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Ainda apenas começando a mostrar resultados, os organoides são considerados uma revolução no âmbito científico. “É o mais próximo que temos até agora do in vivo [o tecido, órgão ou célula funcionando no próprio ser humano]”, explica Felipe Almeida, CEO da Invitrocue.
Eles estão sendo usados, por exemplo, para criar minicérebros que estudam autismo, Alzheimer e outras condições neurológicas. Na oncologia, são testados há alguns anos, sendo que as principais pesquisas com pacientes saíram entre 2021 e 2022.
Uso dos organoides na prática
Hoje não há uma indicação formal para o teste, mas ele pode ser solicitado para avaliar tumores sólidos (mama, próstata, cólon, etc.) que não responderam ao tratamento inicialmente proposto, e sempre quando o plano é usar quimioterapia.
“É uma ferramenta muito promissora, mas ainda não há estudos dizendo quais pacientes que recebem o tratamento pré-testado no organoide se saem melhor do que os outros”, comenta Dirce Carraro, pesquisadora principal do grupo de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.
A especialista comenta ainda outras limitações. “Essas abordagens ainda são muito caras e a certeza da resposta não é 100%, porque outros fatores influenciam a sensibilidade do tumor no organismo”.
Para Dirce, o teste pode ser usado como apoio em casos específicos. “Para dar mais segurança ao médico na hora da decisão sobre a terapia”, emenda.
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O que as pesquisas atuais mostram é uma alta capacidade de predizer a que tratamentos aquele tumor reagirá, mas sem avaliar o desfecho em longo prazo.
“Temos trabalhos publicados em periódicos muito respeitados com relatos de caso e estudos demonstrando que o comportamento do organoide é muito semelhante à resposta in vivo”, comenta Jácome.
É provável que eles logo se tornem mais utilizados na prática. O A.C. Camargo fomenta uma startup de organoides em sua incubadora. E mais empresas estão para chegar ao Brasil.