Estamos mais próximos de um soro contra o veneno de abelha
Criada e testada por pesquisadores brasileiros, solução inédita no mundo poderá prevenir mortes e complicações causadas por ataques de abelhas
No Brasil, ocorrem mais de 10 mil casos de acidentes com abelhas por ano, sendo que entre 40 e 50 deles se mostram fatais. Os estudiosos vêm observando um aumento no número de vítimas, que englobam tanto quem trabalha com apicultura como quem faz ecoturismo.
Existem duas situações graves envolvendo o ataque desses insetos. A primeira é a anafilaxia: o corpo de indivíduos sensíveis reage de maneira exagerada a uma única ou algumas picadas, podendo levar inclusive a um bloqueio na garganta que impede o sujeito de respirar.
A segunda é o envenenamento propriamente dito, quando a vítima sofre mais de 200, 300, 500 (às vezes mais de mil) picadas de um enxame de abelhas. O organismo fica literalmente à mercê das toxinas inoculadas pelos insetos.
Hoje, sobretudo se houver um atendimento agilizado, a medicina dispõe de armas para reverter a anafilaxia. Mas a situação é diferente em relação ao envenenamento: não há um remédio específico nos postos de saúde que anule o bombardeio de toxinas.
Felizmente, isso deve mudar em breve. Foram apresentados no Congresso Brasileiro de Infectologia, em Belém do Pará, os resultados do primeiro estudo em humanos com um soro contra o veneno de abelha, algo inédito no mundo.
A solução é fruto de um trabalho de mais de duas décadas capitaneado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. No congresso, o infectologista e membro do grupo de pesquisa Alexandre Barbosa compartilhou um pouco do histórico do soro e dos achados nos testes de segurança envolvendo 20 pessoas que sofreram envenenamento por ataques de abelha.
Os resultados são positivos e promissores. É provável que, daqui a alguns anos, da mesma forma que já dispomos de soros contra venenos de serpentes, tenhamos um produto destinado a frear os terríveis efeitos das toxinas das abelhas no corpo humano.
O perigo dos ataques de enxames
Não se iluda pensando que os acidentes com abelhas só atingem quem trabalha com elas no interior do país. Parcela significativa dos casos ocorre com pessoas que vão ao campo ou às matas fazer trilhas, esportes radicais e turismo. Ninguém defende uma caçada aos insetos, que, segundo cientistas, enfrentam risco de extinção e são essenciais para a polinização das plantas. Mas convém conhecê-los melhor e entender por que seus ataques são potencialmente letais.
Em sua apresentação no Congresso Brasileiro de Infectologia, Barbosa resumiu a história das abelhas no país. Antes da colonização, os insetos que predominavam nestas terras eram aqueles sem ferrão. No século 17, porém, os portugueses introduziram a Apis mellifera, espécie europeia com ferrão e com maior capacidade de produzir mel em larga escala. Aos poucos, a abelha europeia tomou conta do pedaço.
Em 1956, por sua vez, o Brasil assistiu à introdução da abelha africana, também com a ideia se de expandir a produtividade e os rendimentos na apicultura. Só que se perdeu o controle com o inseto, que se espalhou rápida e intensamente. Com o cruzamento e a hibridização entre as variedades europeia e africana despontaram as abelhas “africanizadas”.
“Elas são grandes produtoras de mel, mas possuem um efeito colateral: são muito defensivas, rápidas e excitáveis”, contou Barbosa. “Se você mexeu com uma, mexeu com todas”, completou o médico, fazendo referência aos ataques de enxames que podem envolver mais de 200 exemplares do inseto. As “africanizadas” reinam por aí porque resistem a pragas e não têm inimigos naturais (com exceção do homem). Segundo Barbosa, se um enxame se sentir provocado, pode demorar quase meia hora para se acalmar.
O corpo de quem recebe um ataque dessa envergadura sofre com os efeitos das toxinas em si. Além das lesões na pele, o veneno compromete células do sangue e dos músculos, leva a uma dor intensa, afeta o cérebro e pode desencadear insuficiência dos rins, do fígado ou até do coração. Diante de centenas ou milhares de picadas, o organismo não raro entra em estado de choque e, infelizmente, muitas vítimas não resistem.
O soro antiapílico
É para evitar episódios tão devastadores que os pesquisadores brasileiros se empenham pelo desenvolvimento, validação e aprovação de um soro contra o veneno das abelhas. Essa história nasceu no Centro de Estudos de Venenos e Animais da Unesp de Botucatu, no grupo do médico e professor Benedito Barraviera, há mais de 20 anos.
Envolvendo outros departamentos da universidade e firmando parcerias com entidades como o Instituto Vital Brazil, a linha de pesquisa, após muitos experimentos, finalmente chegou à etapa de testes em humanos.
No estudo de segurança recém-concluído com 20 pacientes, a infusão do soro na veia foi considerada segura e surtiu melhoras clínicas. “Em 95% dos casos não houve hipersensibilidade imediata ou tardia ao soro”, relata Barbosa. O próximo passo agora é a realização de uma pesquisa com um maior número de pacientes e voltada a avaliar a efetividade do produto.
Se tudo correr como se espera, teremos dentro de alguns anos o primeiro soro contra o veneno de abelha do planeta nos serviços de saúde do Brasil.