Entenda o que dificulta a adesão ao tratamento da hipertensão
Analfabetismo tecnológico, baixo nível de letramento em saúde e pouca educação formal são algumas das barreiras ao cuidado da pressão alta
O controle da hipertensão é essencial para evitar complicações como o acidente vascular cerebral (AVC), infarto e insuficiência cardíaca. Ela está associada ao desenvolvimento de diversas doenças cardiovasculares e renais e, quando não tratada, pode levar à morte.
Nem todo mundo precisa utilizar remédios para domar a pressão. Além dos medicamentos, o tratamento envolve a adoção de hábitos saudáveis, incluindo a redução no consumo de sal, a prática de atividade física e o controle do peso.
No entanto, quando a medicação é prescrita, deixar de tomá-la pode colocar a vida em risco. Como esse cuidado em geral é feito por anos a fio, ou mesmo pela vida inteira, manter o indivíduo engajado no controle da doença pode ser um problema.
“Esse é o grande desafio da hipertensão: envolver o paciente a partir do momento do diagnóstico, para que ele entenda que esse é um problema crônico, que não tem cura”, diz a cardiologista Erika Campana, especialista da Sociedade Brasileira de Cardiologia e diretora do Fundo de Aperfeiçoamento de Pesquisa em Cardiologia da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj/Funcor).
Pensando nisso, pesquisadores brasileiros analisaram os principais fatores que atrapalham a adesão ao tratamento. Os dados foram publicados no periódico Pan American Journal of Public Health.
Os entraves
Entre os principais, estão analfabetismo tecnológico, baixo nível de letramento em saúde e pouca educação formal. Nessas situações, apesar de terem acesso a computadores e internet, os indivíduos se sentem desconfortáveis com o uso da tecnologia.
A pesquisadora Tereza Setsuko Toma, do Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, uma das autoras do estudo, explica que a tecnologia pode ser uma aliada no tratamento da hipertensão. Entre os recursos, estão aparelhos para medir a pressão arterial regularmente, aplicativos e alertas de celular programados para lembrar sobre o uso dos medicamentos.
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“Estudos mostram que uma das táticas para melhorar a adesão, é o uso de aplicativos, sites ou SMS. A barreira para esse tipo de estratégia, no entanto, é que nem todo mundo consegue lidar bem com a tecnologia”, diz Tereza.
Os especialistas também observaram uma associação negativa entre idade mais jovem e taxas de adesão. Indivíduos abaixo dos 40 anos, por exemplo, foram duas vezes menos propensos a aderirem ao tratamento quando comparados àqueles com idades entre 40 a 64 anos.
Fatores relacionados à condição de saúde do paciente, como ausência de sintomas, também se mostraram relacionados a uma menor conformidade com o uso de medicamentos.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores realizaram uma revisão de 14 estudos. Os dados foram obtidos a partir de consulta em nove base de dados.
“Buscamos revisões sistemáticas, que já foram produzidas, para hipertensão e diabetes são inúmeras. Fizemos uma síntese dos principais achados de estratégias possíveis para lidar com a adesão ao tratamento”, detalha Tereza.
Tratamento não tem data para acabar
A cardiologista Erika Campana, que não esteve envolvida no estudo, destaca que a hipertensão exige acompanhamento médico ao longo da vida.
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“O hipertenso nunca deixará de ser hipertenso. Não necessariamente tomará remédio, pois às vezes os hábitos saudáveis são o suficiente para controlar a pressão. Contudo, uma boa parte deles vai precisar também dos medicamentos. E esse tratamento tem que ser para sempre. Se o paciente interrompe, a pressão vai voltar a subir e ele estará novamente em risco”, explica Erika.
Desafios
A hipertensão é uma condição considerada silenciosa, que não apresenta sintomas em grande parte dos casos.
O diagnóstico acontece durante exames médicos de rotina ou na investigação de outros problemas de saúde. São consideradas hipertensas aquelas pessoas que têm pressão igual ou maior que 14 por 9 mmHg. Acima de12 por 8, o quadro já pode ser considerado pré-hipertensão.
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A especialista da Sociedade Brasileira de Cardiologia explica que a característica assintomática da doença torna um desafio a adesão.
“É difícil convencer o paciente de que ele precisa tomar o medicamento. Às vezes, pode haver efeitos colaterais que atrapalham mais ainda. Então ele precisa entender que o remédio evita complicações que são definitivamente limitadoras, além da possibilidade de morte”, diz Erika.
Problema de saúde pública
Em maio, o Ministério da Saúde divulgou números alarmantes sobre a pressão alta. A taxa de mortalidade por hipertensão atingiu o maior valor dos últimos dez anos, tendo sido registrados 18,7 mortes por 100 mil habitantes em 2021. Os dados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
O desenvolvimento da doença está associado ao consumo de alimentos ricos em sal, falta de atividade física, tabagismo, consumo de álcool, além de fatores genéticos.
Como estratégia para ampliar o acesso e a aceitação do tratamento, especialistas sugerem a adoção de uma abordagem multidisciplinar, considerando a participação de cardiologistas, enfermeiros e farmacêuticos, além de familiares e amigos.
“As evidências mostram que os hipertensos, quando são assistidos de maneira multiprofissional, respondem muito melhor em termos de adesão terapêutica”, diz a especialista.
Para facilitar a adesão, a utilização da tecnologia também pode ser uma aliada. Programar lembretes no celular, utilizar uma agenda virtual ou até mesmo porta-comprimidos com marcadores de dias e horários são algumas das estratégias para monitoramento do uso dos remédios.