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Entenda as mutações que tornariam o coronavírus mais transmissível

Novas variantes do coronavírus foram detectadas na Inglaterra. Mas ainda não para dizer que são mais contagiosas (e muito menos que são mais letais)

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 29 jan 2021, 15h08 - Publicado em 23 dez 2020, 17h42
Ilustração com vários vírus representa as mutações da Covid-19
Nova variante do Sars-CoV-2 poderia deixar o vírus mais transmissível, mas isso ainda não está confirmado.  (Ilustração: Marcos de Lima/SAÚDE é Vital)
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A notícia de que uma nova versão do coronavírus (Sars-CoV-2) teria levado a uma situação “fora de controle” nas últimas semanas na Inglaterra deixou o mundo preocupado. A variante, batizada de linhagem B.1.1.7, carrega 17 mutações em diferentes pontos do código genético do vírus, alguns relacionados à velocidade de transmissão da Covid-19.

Isolada pela primeira vez no dia 20 de setembro no sudeste da Inglaterra, ela se tornou, em poucas semanas, responsável por 60% das infecções em Londres. O achado foi publicado no periódico Virology, e fez o país adotar medidas mais restritivas, como um lockdown durante as festas de fim de ano.

Com base no perfil das mutações e no avanço dos casos, as autoridades britânicas estimaram que a variante seria até 70% mais transmissível do que as linhagens até então predominantes. O anúncio fez vários países barrarem voos oriundos do Reino Unido. Austrália, Dinamarca, Itália, Islândia e Holanda já detectaram o mutante em solo nacional, embora sem notícias de surtos provocados por ele.

Mas atenção: essa suposta maior velocidade de transmissão ainda precisa ser confirmada. “O fato de ter provocado mais casos mesmo na presença de outras variantes é um indício de que ela possa se espalhar com mais facilidade, mas precisamos observar se o efeito é o mesmo em outros países e sob outras condições”, afirma o virologista Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

O que o achado da mutação representa?

A prevalência pode se tratar apenas de um acaso. É estranho pensar em coincidências assim, mas no mundo dos vírus, que sofrem pequenas mutações a todo momento, não dá para descartar essa teoria.

Também é possível especular que essa variante do Sars-CoV-2 estava no lugar certo e na hora certa para se disseminar rapidamente. Ela poderia ter ganhado terreno, por exemplo, a partir de uma grande aglomeração, com indivíduos que naturalmente espalham mais a Covid-19 (os super espalhadores). A Inglaterra é um dos países que chegou a afrouxar suas regras de distanciamento social, então estava sujeito mesmo a novos surtos.

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) avisa, em nota, que os vírus, incluindo o Sars-CoV-2, mudam com o tempo. Mas, na maioria das vezes, a mutação não tem impacto direto na disseminação do agente.

Para ter ideia, só no Brasil há cerca de 20 linhagens do novo coronavírus circulando, com pequenas diferenças genéticas entre elas. Em diversos momentos da pandemia, a linhagem mais prevalente se alterou pelo mundo. E um recado: a dita-cuja descoberta em terreno britânico ainda não foi vista por aqui.

Aliás, enquanto essa reportagem era apurada, os britânicos anunciaram dois casos em seu território de mais uma variante descoberta na África do Sul. Ela possui certas mutações em comum com a B.1.1.7 que poderiam alterar sua infectividade, porém evoluiu de maneira independente. As autoridades de lá chegaram a sugerir que ela seria ainda mais transmissível, mas não há provas disso.

Embora essa hipótese seja plausível, a variante sul-africana também pode ter se disseminado por comportamentos humanos. Na África do Sul, os jovens se infectam mais com esse vírus mutante – e integram também o grupo que costuma se expor mais.

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Outro acontecimento digno de nota: há alguns meses, a Espanha reportou uma linhagem de nome similar, a B.1.177, que também parecia mais transmissível. No entanto, ela acabou deixando de circular.

Para saber se um agente infeccioso mutante é realmente mais transmissível, os cientistas precisam acompanhar a evolução dos casos de perto e analisar o comportamento dos vírus isolados em laboratório. Eles basicamente infectam células humanas isoladas para comparar sua velocidade de replicação com a de outras variantes.

Ainda não se sabe também se a severidade da Covid-19 seria diferente com a mutante, entretanto não há indícios disso. Aliás, a tendência é a de que, na jornada de evolução constante de um vírus, sobrevivam as mutações que conseguirem se espalhar mais, o que é mais fácil se o infectado sobrevive e dissemine o agente infeccioso por mais tempo.

Mutação pode atrapalhar a vacina?

Uma das coisas que realmente chamam a atenção na B.1.1.7 e merece mais estudos é o fato de que, das 17 mutações, oito estão relacionadas à proteína S, ou espícula. Essa molécula fica na superfície do vírus e é usada para infectar as células. E… é o principal alvo das vacinas da Pfizer, Moderna, AstraZeneca e outras.

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“Por enquanto, as alterações não parecem importantes a ponto de exigir uma revisão dos imunizantes, mas precisamos seguir monitorando para ver se isso será necessário no futuro”, aponta Spilki. O novo coronavírus, apesar de apresentar pequenas mutações desde que surgiu, não parece ser como o vírus da gripe, que muda a ponto de precisar de uma nova vacina todos os anos.

Só o tempo dirá. De qualquer maneira, as plataformas de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna, e mesmo as de vetor viral podem ser facilmente adaptadas se a mutação se mostrar relevante.

Já a Coronavac, do Instituto Butantan, leva vantagem nesse sentido, pois é feita com o vírus inteiro inativado. “Então teríamos mais alvos para o anticorpo enxergar”, diferencia Spilki.

O valor de detectar mutações

É normal que os vírus sofram mutações constantes para sobreviver, mas essa é a primeira vez que se acompanha essa evolução praticamente em tempo real. Apesar de dar margem para preocupação, isso é bom. “Significa que podemos detectar cedo qualquer mutação que esteja se tornando relevante a ponto de interferir nas vacinas e provocar aumento de casos”, comenta Spilki.

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Por enquanto, a notícia da B.1.1.7 deve ser, sim, motivo de atenção nas próximas semanas. Mas sem pânico! Até porque, caso seja comprovada a maior transmissibilidade, o protocolo de prevenção é o mesmo. “Tudo segue igual: precisamos fazer um distanciamento efetivo, reduzir a mobilidade e proibir aglomerações”, destaca o virologista. Ou seja, não dá para pôr na evolução do vírus a culpa pelo descontrole da pandemia.

Em nota, a OMS aconselha os países a aumentarem o sequenciamento genético do Sars-CoV-2 quando possível, e compartilhar esses dados internacionalmente, como fez o governo do Reino Unido, principalmente se mutações semelhantes forem detectadas.

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