A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a terceira doença que mais mata mundialmente: a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 3 milhões de mortes foram causadas por ela ou por condições relacionadas apenas em um ano.
A evolução dos tratamentos para essa condição grave, no entanto, estava estagnada até este ano. “Há 20 anos não temos inovações do ponto de vista de novas drogas”, conta a diretora médica de imunologia da Sanofi Brasil, Daniela Carlini.
Mas esse cenário está mudando. No 41º Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia, realizado em Florianópolis (SC) entre 8 e 12 de outubro, o dupilumabe foi oficialmente lançado. Trata-se do primeiro imunobiológico aprovado para DPOC. Essa moderna categoria de medicamentos compreende os anticorpos monoclonais, moléculas desenhadas para atingir alvos específicos no organismo.
O que é a DPOC?
A DPOC é um quadro clínico formado por duas condições respiratórias: a inflamação dos brônquios leva a um estreitamento das vias aéreas, o que gera bronquite crônica, e acarreta o desenvolvimento de enfisema pulmonar – a destruição dos alvéolos.
A principal causa para a DPOC é o tabagismo. Além do cigarro, a exposição a gases e substâncias tóxicas, como as resultantes da queima de lenha ou de lavouras e da poluição urbana, também aumenta o risco.
+Leia também: DPOC: Entre a falta de ar… e a de informação
Embora seja uma doença comum, médicos ainda encontram obstáculos para o diagnóstico precoce. “Os pacientes demoram a procurar ajuda porque justificam os sintomas com o uso do cigarro. O que eles não percebem é que já há uma doença em desenvolvimento”, alerta o pneumologista Paulo Antônio Faleiros, da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Os principais sintomas de DPOC são:
- Tosse crônica;
- Dispneia (falta de ar);
- Expectoração (produção de muco);
- Chiado no peito;
- Cansaço.
Apesar de causar sintomas respiratórios, ela não é uma doença limitada aos pulmões. “A DPOC é sistêmica e acomete vários órgãos. Quando os médicos começaram a notar a ocorrência de eventos cardiovasculares nos pacientes, se percebeu que a inflamação era sistêmica e não restrita”, conta Faleiros.
Até o momento, no entanto, as linhas de tratamento padrão para a doença focaram em amenizar os sintomas respiratórios.
“O que se fez até agora foi desenvolver drogas inalatórias: os broncodilatadores, corticoides inalatórios e antimuscarínicos. Há cinco anos, surgiram opções que combinam essas drogas num mesmo dispositivo, formando uma terapia tripla”, explica a médica Daniela Carlini.
A chegada do dupilumabe
Em agosto de 2024, a Anvisa aprovou uma nova medicação para tratar a DPOC: o imunobiológico dupilumabe, um tipo de anticorpo monoclonal. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, também já aprovam o tratamento.
O dupilumabe – cujo nome comercial é Dupixent – já era utilizado para outras cinco doenças no Brasil: rinossinusite crônica com presença de pólipos nasais; asma; dermatite atópica; prurigo nodular; e esofagite eosinofílica.
Uma descoberta científica recente abriu caminho para que o fármaco se tornasse uma nova possibilidade contra a DPOC. “Certas células de defesa do organismo – os neutrófilos – eram encontrados em pacientes com DPOC, e isso era atribuído ao muco pulmonar produzido em excesso pelo pulmão doente, que torna o órgão um ambiente propício para vírus e bactérias que precisam ser combatidos”, ilustra Carlini.
“Mas, recentemente, outro tipo de célula de defesa foi encontrada: os eosinófilos. Essas células são biomarcadores de um processo de hipersensibilidade chamado de inflamação de tipo 2”, completa a médica.
Estima-se que de 20 a 40% dos pacientes com DPOC tenham inflamação do tipo 2, que é associada a maior risco de crises respiratórias. A ideia do novo tratamento, então, é mirar em substâncias responsáveis por desencadear esse tipo de processo inflamatório, chamadas de interleucinas 4 e 13.
“As medicações inalatórias tradicionais atuam depois que a cascata de inflamação já foi gerada. O imunobiológico funciona como uma terapia-alvo, impedindo que a inflamação tenha continuidade”, elucida o pneumologista Paulo Faleiros. “A interleucina-13, por exemplo, atua diretamente na inflamação e destruição do tecido pulmonar, e o remédio reduz essa via de inflamação”.
Quais os benefícios do dupilumabe?
Com patrocínio da Sanofi e da Regeneron Pharmaceuticals, dois estudos clínicos avaliaram a efetividade e segurança do imunobiológico no tratamento da DPOC.
Ambas as pesquisas foram publicadas no New England Journal of Medicine. A primeira, de 2023, já demonstrou que o dupilumabe reduzia o número de crises moderadas ou graves que pioram o prognóstico dos pacientes.
Os episódios moderados são aqueles que exigem tratamento com glicocorticoide, antibiótico ou ambos. Já os severos são os que levam à hospitalização, ao atendimento de emergência ou à morte.
“À medida que o paciente tem exacerbações, o pulmão perde a capacidade de se recuperar”, explica a médica Daniela Carlini.
Aproximadamente metade dos pacientes com DPOC segue sofrendo com crises de exacerbação mesmo com a terapia inalatória tripla em andamento. O estudo mais recente, publicado em 2024, demonstrou uma diminuição de 34% no número de exacerbações anuais no grupo com inflamação do tipo 2 que tomou dupilumabe, em comparação ao time que tomou placebo.
Os participantes da pesquisa também relataram melhorias na qualidade de vida e sintomas respiratórios menos graves com o uso do anticorpo monoclonal.
Quem pode tomar o dupilumabe
Podem se beneficiar do novo tratamento aqueles que têm DPOC com presença de inflamação do tipo 2 – avaliada a partir da presença de eosinófilos no sangue – e já fazem uso de terapias inalatórias.
Diferentemente dos inalatórios, que são aplicados por meio de uma “bombinha” semelhante às de asma, o dupilumabe é uma medicação injetável, que deve ser administrada semanalmente ou a cada 15 dias, conforme avaliação.
“Existem também outros tratamentos imunobiológicos sendo estudados para DPOC, ainda sem aprovação. É uma área muito promissora. Acreditamos que vai mudar o panorama dos tratamentos”, comemora Faleiros.
Impactos econômicos para além da saúde
Outra pesquisa apresentada no 41º Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia ampliou o entendimento sobre os impactos financeiros da doença.
“Já conhecíamos os gastos relacionados a remédios e internações que a DPOC gera no SUS e no sistema privado de saúde, mas ainda não tínhamos noção dos gastos diretos com aposentadoria”, explica Paulo Faleiros, um dos autores do estudo.
Os pesquisadores analisaram benefícios concedidos entre 2014 e 2023 pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e constataram que 77,5% das aposentadorias relacionadas à DPOC ocorreram de forma precoce, para pessoas entre 40 e 65 anos de idade. Para os cofres públicos, as aposentadorias precoces dessa última década custaram mais de R$ 566 milhões.
Mais que dimensionar as implicações monetárias da doença, a proposta dos médicos é que o estudo seja usado como base para políticas públicas. “Se o governo é tão onerado pela doença e sabe-se que a maior causa da DPOC é o uso do cigarro, será que não vale ter uma política de saúde melhor, visando a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento?”, questiona Faleiros.