Em quatro anos morreram, no Brasil, mais de 3 300 pessoas abaixo de 40 anos com anemia falciforme, marcada por alterações dos glóbulos vermelhos que gera sintomas como dores, cansaço e feridas. A doença, decorrente de uma mutação genética, vitimiza mais as mulheres (52%) e a população negra (80%). Esses dados vêm dos estudos que tentaram mapear esse problema por aqui.
Mas uma pesquisa da farmacêutica Global Blood Therapeutics, Inc. (GBT) verificou o impacto da anemia falciforme no cotidiano, a partir de informações de 1 300 indivíduos em dez países (Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, França, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Canadá, Bahrein, Omã e Alemanha). Segundo ela, adultos e crianças com a doença faltam, em média, mais de uma semana por mês na escola ou no trabalho.
O mesmo levantamento indica que 53% dos médicos não têm ferramentas eficazes para ajudar seus pacientes a lidarem principalmente com as dores e o cansaço, sinais que mais prejudicam a qualidade de vida de que tem anemia falciforme. Esses mesmos profissionais carecem de uma rede de apoio, seja do governo ou de associações, que mantenha o paciente informado a evolução da doença ao longo de sua vida.
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Os danos aos sistemas de saúde também são financeiros. Estima-se que o Brasil gaste 400 milhões de dólares por ano tratando complicações da doença.
No Brasil, a Bahia é a região com maior incidência. “No estado, há uma criança falciforme a cada 250 nascimentos. O mais comum é que a partir do resultado do teste do pezinho o bebê já seja encaminhado a um hemocentro da região. Mas nem sempre isso ocorre”, explica Rodolfo Cançado, hematologista e hemoterapeuta do Hospital Samaritano, em São Paulo, e membro do comitê de glóbulos vermelhos e do ferro da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
O Ministério da Saúde divulgou que, em 2018, havia 100 mil casos da doença no Brasil, e criou um protocolo de tratamento. Especialistas apontam, no entanto, que ainda há desigualdade na forma de atendimento entre as regiões.
O que é a anemia falciforme e de onde ela vem?
Ela é marcada por um defeito no formato das hemácias, as células que carregam oxigênio no sangue. Em vez de serem redondos, os glóbulos vermelhos assumem o formato de foice e ficam endurecidos. Isso provoca entupimentos em veias e artérias, o que pode acarretar infarto, derrame ou crises no fígado e nos rins. O diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina que consta no teste do pezinho.
Essa doença genética é mais frequente em quem descende de famílias da África Subsaariana. Mas também afeta em maior grau indivíduos de ascendência hispânica, do sul da Ásia, do sul da Europa e do Oriente Médio.
As consequências da anemia falciforme já são sentidas nos primeiros meses de vida. “Há sintomas como anemia, ictericia, dificuldade de ganhar peso. A criança fica muito irritada, tem dificuldade de desenvolvimento”, relata Cançado.
No geral, os sintomas da anemia falciforme são:
- dores fortes
- fadiga intensa
- atraso no crescimento
- feridas
- palidez
- sistema imunológico frágil, com tendência a infecções
- complicações neurológicas, cardiovasculares, pulmonares e renais
O dia a dia da pessoa diagnosticada é comprometido, em grande parte, pelas dores. “Elas ocorrem porque há uma oclusão de certos vasos, o que dificulta o fluxo sanguíneo”, explica Cançado.
Esse sintoma pode surgir em qualquer parte do corpo, seja nos braços, nas pernas, no pulmão, no sistema nervoso. Quando a crise dolorosa é intensa demais, o indivíduo precisa buscar atendimento hospitalar para receber analgésicos mais potentes.
A fadiga extrema é um ponto menos abordado pelos especialistas, mas bastante relatado por indivíduos que participaram daquela pesquisa da GBT. Ou seja, quando não é a dor que paralisa, o cansaço impede que a pessoa realize suas atividades diárias.
Como é o tratamento?
Em bebês, vacinas para prevenir complicações por outras doenças e doses preventivas de antibióticos são ministradas. “A cada três meses, é preciso de uma nova avaliação para evitar as complicações que podem ocorrer nesse início da vida, como derrame cerebral”, destaca Cançado.
O remédio mais usado é a hidroxiureia. “É um quimioterápico que ajuda a controlar complicações e a mortalidade. Ainda não é o ideal. Ele é, muitas vezes, utilizado com outras terapias combinadas”, analisa o médico da ABHH. Um problema da hidroxiureia são seus efeitos colaterais, intoleráveis em certos casos que podem ser inaceitáveis para algumas pessoas.
Mais recentemente, anticorpos monoclonais entraram em cena contra a doença. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, aprovou o crizanlizumabe (da Novartis), que age especificamente em uma molécula ligada à enfermidade. Segundo estudos, ele reduz as crises de dor em 45%. Mas o fármaco ainda não está no SUS.
Outras drogas similares também foram desenvolvidas. Em 2019, voxelotor (da GBT) foi aprovado nos Estados Unidos, com a promessa de melhorar a saúde dos glóbulos vermelhos. O remédio ainda não chegou ao Brasil.
A mesma farmacêutica está testando o inclacumabe, um novo anticorpo monoclonal, em estudos clínicos de fase 3.
Mas não só a tecnologia vai melhorar o tratamento. O correto é que haja uma equipe multidisciplinar no acompanhamento. “As complicações da doença envolvem oftalmologista, endocrinologista, psicoterapia. São muitas áreas que precisam conversar”, aponta Cançado.
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A única possibilidade de cura é o transplante de medula-óssea, mas a indicação depende de algumas características da doença. E ainda é uma luta encontrar um doador compatível. “Não chegamos nem a cem transplantes por cada 50 mil habitante no Brasil”, pontua Cançado.