Os constantes avanços da medicina possibilitam o surgimento de novos tratamentos para os mais diversos tipos de doenças, sendo capaz de oferecer mais tempo e qualidade de vida até mesmo para pacientes que sofrem com condições para as quais ainda não há cura; como é o caso do mieloma múltiplo, um câncer da medula óssea que afeta os ossos. O maior desafio, porém, é que os tratamentos mais modernos e revolucionários cheguem a todos que precisam dele.
Angelo Maiolino, professor de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), explica que o mieloma múltiplo é um tipo de câncer raro, que costuma acometer pacientes com mais de 60 anos – apesar de existirem casos de pacientes mais jovens – e que corresponde a cerca de 15% de todos os tipos de câncer do sangue.
“É uma doença específica que acomete os plasmócitos, uma das células da família dos glóbulos brancos, que são anticorpos, ou seja, apoiam na defesa do organismo. A questão é que ele sofre mutações e pode se tornar maligno, passando a produzir um único tipo de anticorpo, que se prolifera, e que não tem função de defesa, causando problemas ao organismo”, diz.
De acordo com o especialista, o paciente com mieloma múltiplo se torna suscetível a infecções e a doenças ósseas, principalmente porque a condição tem um mecanismo de destruição dos ossos, que causa dores e diminui a qualidade de vida do paciente.
“Uma das manifestações mais comuns é dor na coluna vertebral e fraturas, além de anemia e até outros quadros, como a disfunção renal. É uma doença que causa um agravo à saúde substancial e consideramos um quadro clínico muito difícil de se conviver”.
Possibilidades de tratamento
O diagnóstico de mieloma múltiplo nem sempre é rápido ou fácil. Isso porque ter dores nas costas ou apresentar fadiga, por exemplo, podem ser sintomas de diversas causas. Quando descoberta a doença, porém, o início do tratamento se configura como um alívio.
Maiolino ressalta que a enfermidade segue sendo incurável, mas que diversas opções de tratamento vêm ganhando força e tendo resultados muito bem sucedidos, mudando completamente a expectativa de vida e qualidade de vida dos pacientes.
“Os pacientes passam a conviver com o mieloma múltiplo como se fosse uma doença crônica – como diabetes e hipertensão – controlada. Esse avanço se deu nos últimos 10 a 15 anos. Tivemos um conjunto de incorporações de novos tratamentos no rol dos planos de saúde, incluindo novas classes de medicamentos com aprovação regulatória ágil pela ANVISA”, diz o professor.
O problema é que nem todos os remédios foram incorporados ao Sistema Único de Saúde – vale lembrar que 75% da população brasileira depende exclusivamente desse serviço para qualquer atendimento de saúde1. O número de pacientes com mieloma múltiplo tratados no sistema público no país é de 27.100 pessoas2. Dessas, 45% não têm acesso a tratamentos avançados e 68% sofrem com indisponibilidade do medicamento prescrito no centro de tratamento.3
“Foi por meio da ABHH que conseguimos a incorporação de alguns medicamentos que são hoje os pilares do tratamento do mieloma múltiplo e que são cruciais no tratamento. Mas ainda há uma discrepância muito grande entre o que é oferecido de forma privada e de forma pública e essa é uma preocupação constante para a sociedade médica”, reforça.
Hoje, há 14 medicamentos para tratar o mieloma múltiplo aprovados no Brasil. O SUS, porém, conta com apenas cinco opções disponíveis, sendo que três dessas são tratamentos quimioterápicos. Por meio de planos de saúde, as alternativas sobem para dez e incluem medicamentos que mostram resultados mais efetivos, quando comparadas às terapias disponíveis atualmente no SUS.
Consultas públicas e incorporação de novos medicamentos no SUS
Atualmente, está sob avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) a incorporação daquele que seria o sexto medicamento a ser oferecido pelo sistema de saúde para pacientes que vivem com a doença: um anticorpo monoclonal indicado para o mieloma múltiplo recidivado – que retornou após ter estado em remissão – ou refratário – que não respondeu ao tratamento inicial ou que teve alguma piora, mesmo com o tratamento.
“Esse medicamento já está aprovado no país há seis anos e deve ser usado em combinação com outros tratamentos. Ele faz uma ação direta contra o alvo, destrói o plasmócito e estimula o sistema imune a fazer o mesmo. É uma poderosa arma para eliminar a doença por um tempo prolongado. Se incorporado ao SUS, será, certamente, um ganho enorme aos pacientes”, explica o médico.
Como parte dos processos de avaliação de inclusão de novas tecnologias no SUS, a Conitec realiza consultas públicas (CP), que têm o objetivo de ouvir a sociedade a respeito das possibilidades de novas incorporações. A participação da sociedade nessas iniciativas é de extrema importância e pode fazer a diferença na vida de milhares de pessoas.
“O papel da consulta pública é justamente sensibilizar a agência incorporadora, é uma forma democrática do cidadão se manifestar em assuntos de interesse da sociedade. A Conitec abre a possibilidade de médicos, instituições, pacientes, familiares e todos os cidadãos darem suas contribuições e mostrarem o quão prioritária é aquela incorporação. As consultas públicas têm um peso na decisão final e por isso é muito importante ter a participação do máximo de pessoas possível”, afirma.
Como participar de uma consulta pública
O processo para participar de uma consulta pública é feito de forma inteiramente online, por meio do site da Conitec (https://www.gov.br/conitec) e qualquer pessoa pode contribuir, basta ter cadastro na plataforma GOV.BR.
O passo a passo é o seguinte:
- Acesse o site da Conitec
- Clique no botão “Consultas Públicas”
- Faça o login com os dados do GOV.BR
- Acesse as consultas públicas vigentes
- Contribua para o avanço das incorporações de medicamentos no SUS
A CP para a incorporação desse anticorpo monoclonal estará disponível até o dia 14/08. Para participar, basta procurar pela CP de número 29.
Referências:
1 – Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/sus#:~:text=O%20SUS%20%C3%A9%20o%20%C3%BAnico,para%20qualquer%20atendimento%20de%20sa%C3%BAde
2 – DataSUS, 2019
3 – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE). Pesquisa Qualitativa da Jornada de Paciente com Mieloma Múltiplo