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Vencer o HPV: ideias de um expert brasileiro e de uma australiana

Especialistas que vivenciam realidades diferentes discutem como você pode combater o HPV e suas consequências à saúde - tanto em mulheres como em homens

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 8 dez 2020, 14h55 - Publicado em 3 set 2017, 16h11
Febre amarela macaco horto florestal
O macaco encontrado morto com o vírus da febre amarela fez muitos paulistanos buscarem a vacina.  (Foto: Saúde/SAÚDE é Vital)
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O câncer de colo de útero seria virtualmente erradicado se acabássemos com o HPV. E olha que essa está longe de ser a única doença causada pelo vírus — o sexo masculino também sofre com verrugas genitais e tumores, como o de ânus e pênis.

Está claro, portanto, que não devemos menosprezar esse adversário da saúde. Mas como se proteger e quais os principais avanços e desafios que temos pela frente? Para pegar perspectivas diferentes sobre o assunto, entrevistamos um especialista brasileiro e uma expert da Austrália, país considerado uma referência na luta contra esse mal.

De um lado, temos Edison Fedrizzi, ginecologista da Universidade Federal de Santa Catarina e chefe do Projeto HPV, um centro de pesquisa clínica focado no problema. Do outro, Suzanne Garland, médica que ajudou a introduzir a vacinação na Austrália e que, hoje, é diretora do Centro de Doenças Infecciosas da Mulher do Royal Women’s Hospital.

Ambos responderam as mesmas perguntas para que você veja pontos de vista diferentes sobre o HPV. Embora cada um ofereça análises únicas, os dois concordam em um aspecto fundamental: sem vacinação, não há como frear essa epidemia e suas consequências à saúde.

1) O preconceito por trás da vacina de ainda é um problema para ampliar a adesão?

Edison Fedrizzi (Brasil): Não. O pensamento de que a vacina estimularia comportamentos sexuais de risco não se confirmou nos estudos com ou sem a vacina contra o HPV. Aconteceu inclusive o contrário: mulheres imunizadas tinham mais informações sobre anticoncepção adequada e sexo seguro do que as outras.

Suzanne Garland (Austrália): Não há dúvidas de que vacinar e educar os jovens sobre HPV leva a um menor risco no comportamento sexual. O mesmo acontece quando educamos as pessoas sobre contracepção. Isso não as torna mais promíscuas, como às vezes é alardeado.

2) Quais os principais desafios para o controle do HPV?

Edison Fedrizzi: Nos últimos anos, temos visto uma redução do uso do preservativo em todas as idades no Brasil. Uma das prováveis causas disso é a diminuição do temor da aids, que deixou de ser uma doença letal e passou a ser uma infecção crônica, com boas perspectivas de controle.

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Outro fator que dificulta o controle do HPV é a troca frequente de parceiros sexuais nos dias de hoje, fazendo com que o risco de entrar em contato com o vírus seja maior. Portanto, a forma mais eficaz de enfrentá-lo é com a vacinação, cujo maior desafio é ter uma cobertura adequada, acima de 80% na população. E isso tanto para as meninas quanto para os meninos.

Suzanne Garland: Temos vacinas preventivas disponíveis. O mais desafiador é colocar a agulha da seringa no braço dos jovens antes de eles se tornarem sexualmente ativos e infectados com HPV. Com uma alta taxa de cobertura, notamos uma diminuição da infecção e das doenças relacionadas a ela na Austrália.

3) Há um avanço palpável na luta contra o HPV e suas consequências?

Edison Fedrizzi: A boa notícia é que os ótimos resultados de eficácia na prevenção do câncer de colo de útero e verrugas genitais com o uso das vacinas tem sido replicado em outras áreas do nosso corpo. Estudos recentes estão avaliando uma vacina com a capacidade de tratar lesões já provocadas pelo HPV, uma vez que, até o momento, temos apenas as vacinas profiláticas, que impedem a infecção viral.

Suzanne Garland: Vimos no meu país a vacina contra o HPV ser abraçada pelas campanhas de saúde pública. Agora, pouco mais de uma década depois dessa cobertura, notamos reduções significativas de infecção, o que se traduziu em quedas nas taxas de doenças, inclusive de câncer.

4) É necessário desenvolver mais tecnologias, remédios ou vacinas contra o HPV?

Edison Fedrizzi: Com certeza é necessário. A manifestação da infecção e sua evolução para casos de difícil tratamento ocorre por uma diminuição da ação do nosso sistema de defesa. Esse deve ser o foco do futuro do tratamento: utilizar medicações que estimulem a nossa imunidade e eliminem rapidamente o HPV antes de ele causar as doenças.

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Precisamos ainda de vacinas profiláticas que apresentem uma cobertura maior dos vírus. Até o momento, dispomos no Brasil de duas vacinas contra o HPV: a bivalente, contra os subtipos 16 e 18 do HPV e a quadrivalente, contra os subtipos 6, 11, 16 e 18. Elas evitariam 70% dos casos de câncer de colo de útero e a maioria dos outros cânceres associados aos HPV 16 e 18. A versão quadrivalente protege ainda contra 90% dos casos de verrugas genitais. Com a chegada da vacina nonavalente, a proteção contra o câncer do colo de útero, por exemplo, chegaria a 90%.

Talvez no futuro tenhamos vacinas com uma maior cobertura na prevenção. E imunizações terapêuticas para tratar as lesões já causadas. Ou mesmo vacinas quiméricas, que terão tanto uma ação profilática quanto terapêutica.

Suzanne Garland: Há milhões de mulheres e homens já infectados. Se tivéssemos agentes antivirais que erradicassem o HPV, seria maravilhoso. Nós precisamos de vacinas terapêuticas para aqueles com enfermidades ligadas ao HPV. Essa é uma área de trabalho intenso na ciência.

5) De um ponto de vista pragmático, é possível imaginar a erradicação do câncer de colo de útero?

Edison Fedrizzi: Sim. E a principal forma de chegarmos lá é através da vacinação. Graças a ela, já extinguimos da Terra a varíola e, do Brasil, a poliomielite. Se tivermos uma boa cobertura vacinal, incluindo tanto homens quanto mulheres, poderemos chegar nesse objetivo.

Suzanne Garland: É possível erradicar a maioria dos tumores de colo de útero. Isso demandaria um esforço global enorme, particularmente nos países em que o HPV mais causa estragos e onde não há programas efetivos de rastreamento da doença. Isso será alcançado apenas se entregarmos as vacinas a jovens e atingirmos uma alta taxa de cobertura.

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6) A vacinação para meninos e meninas é crucial nesse sentido?

Edison Fedrizzi: Eu penso que sim. É a única forma de falarmos em erradicação, uma vez que o exame de Papanicolau, por maior cobertura que apresente, está longe de ser uma forma de prevenção a ponto de erradicar o câncer de colo de útero.

Suzanne Garland: Achamos apropriado imunizar os dois sexos, até porque focar só nas meninas não traz resultados muito positivos nas doenças masculinas relacionadas ao HPV, especialmente em homens que fazem sexo com outros homens.

O ideal é termos uma abordagem neutra do ponto de vista de gênero. Mas, se o dinheiro é escasso, a incidência de câncer de colo de útero em decorrência do HPV justifica uma priorização do sexo feminino.

7) Adultos também deveriam ser contemplados?

Edison Fedrizzi: A vacinação universal de homens e mulheres de todas as idades (a partir dos 9 anos, por exemplo) sem dúvida seria a forma mais adequada e rápida de erradicarmos, se não todas, pelo menos a maioria das doenças associadas ao HPV. Um grande exemplo na vida real é a Austrália, que vacinou mulheres de 9 a 26 anos a partir de 2007 e meninos a partir de 2013 e observou uma queda dramática das verrugas genitais e lesões pré-cancerosas do colo de útero em apenas cinco anos.

Suzanne Garland: Há ganhos em vacinar adultos, já que nem todos foram infectados com todos os tipos de HPV. Mas isso encarece o programa de imunização e o objetivo primário do ponto de vista de saúde pública é vacinar jovens entre 9 e 12 anos, antes de começarem sua vida sexual. Isso traria o maior impacto.

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