Na autotransfusão (ou transfusão autóloga), o paciente recebe o próprio sangue, ao invés de o de outra pessoa, para aguentar uma cirurgia, por exemplo. Embora tenha suas vantagens, o procedimento ainda é desconhecido pela população. De acordo com uma pesquisa da empresa de tecnologia e inovação médica LivaNova, 82% dos brasileiros não sabem dessa possibilidade. Como funciona essa técnica e por que ela pode ser especialmente útil durante a pandemia de Covid-19?
Há duas maneiras de realizá-la. Em uma, o sangue do paciente que se perde na operação é coletado ali na hora, lavado e centrifugado por um equipamento automatizado. Na sequência, é reinfundido. A outra possibilidade é retirar o líquido vermelho do indivíduo dias antes de uma operação.
“A autotransfusão não é muito comum, mas está prevista na legislação brasileira e pode ser adotada quando for benéfica, especialmente nos casos em que se espera uma grande perda sanguínea durante a cirurgia”, explica Cyntia Arrais, médica hematologista e hemoterapeuta da Fundação Pró-Sangue.
Assim como na doação tradicional, a coleta para a transfusão autóloga segue protocolos rígidos. Todos os pacientes são submetidos a testes para infecções transmissíveis pelo sangue, tipagem sanguínea e pesquisa de anticorpos irregulares.
No caso em que a extração do sangue da pessoa ocorre com antecedência, as coletas são feitas com um intervalo de pelo menos uma semana. A última deve ocorrer em não menos do que três dias antes da cirurgia. Cada bolsa carrega de 400 a 450 mililitros (ml) de sangue. Após o fracionamento, chega-se a aproximadamente 300 ml de concentrado de hemácias.
Durante a operação, as bolsas de sangue da pessoa são infundidas, conforme a necessidade. Aliás, só os médicos podem solicitar a autotransfusão.
Os benefícios durante e após a pandemia de Covid-19
Como recebe o próprio sangue, não há risco de rejeição do organismo. Isso pode evitar reações alérgicas, febre, tremores e calafrios. E é uma opção especialmente valiosa para indivíduos com tipos sanguíneos mais raros.
Infelizmente, o coronavírus contribuiu para esvaziar os estoques dos hemocentros. Perto do Carnaval, a Fundação Pró-Sangue alertou que só estava com 30% da sua capacidade, e que a quantidade dos tipos sanguíneos O-, O+, A-, A+ e B- estavam em estado crítico. Nesse cenário, usar o próprio sangue auxilia a economizar as doações de terceiros.
Com a autotransfusão, também há uma possibilidade menor de ser contaminado por agentes infecciosos presentes no sangue de doadores. Mas cabe destacar que, hoje em dia, os hemocentros fazem uma série de exames para HIV, sífilis, hepatites virais e outras doenças, justamente para minimizar essa probabilidade.
A transfusão autóloga tornou-se mais conhecida e recomendada durante os anos 1980, em função da epidemia de aids. “O grande receio era que o paciente recebesse sangue contaminado. Por isso, virou uma prática usual na época”, atesta Cynthia.
Por outro lado, ela possui suas limitações. Até por ser menos conhecida, nem todos os hospitais e profissionais estão aptos para lidar com ela. E aqueles equipamentos que mencionamos antes não estão disponíveis em qualquer lugar.
Além disso, certo pacientes não podem se submeter ao procedimento. Estão proibidos de coletar o próprio sangue os sujeitos com doença cardíaca descompensada e com uma infecção ativa, por exemplo. Quem teve um infarto nos últimos seis meses também possui contraindicação. É uma questão de pesar os riscos e os benefícios com o profissional de saúde.