Via de regra, um remédio contra o câncer recebe aprovação das agências regulatórias de acordo com o local de origem da doença. Ou seja, ele ganha o aval para tratar um tumor de pulmão – ou de próstata, ou de pele. Mas o Brasil quebrou esse paradigma pela primeira vez com a chegada do larotrectinibe (nome comercial: Vitrakvi), da farmacêutica Bayer.
Ao contrário dos outros medicamentos, ele é indicado para todo e qualquer câncer sólido (ou seja, que não surge nas células de sangue), desde que a doença possua uma mutação específica, conhecida como fusão do gene NTRK. Dito de outra forma, não importa se o problema surge na mama, na tireoide ou no intestino: se possuir essa alteração molecular, o larotrectinibe pode entrar em jogo.
“Essa é uma tendência moderna, que se concentra nas particularidades moleculares do câncer, e não em seu lugar de origem”, afirma o oncologista Marcos André de Sá Barreto Costa, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Ou seja, é possível que no futuro outros fármacos sejam aprovados com a mesma lógica.
Aliás, nos Estados Unidos já há uma medicação aprovada sob a mesma lógica. É o pembrolizumabe, da MSD – a droga já chegou ao nosso país, porém não com essa “indicação agnóstica”, como dizem os especialistas.
Como funciona o larotrectinibe
Estamos falando de um comprimido que bloqueia a ação de substâncias específicas que aceleram o crescimento das células cancerosas. Elas passam a ser fabricadas pelas células na presença daquela mutação que mencionamos antes – a tal fusão do gene NTRK. “Estima-se que 1% dos tumores sólidos apresentem essa característica”, ressalta Barreto Costa.
Essa alteração é mais frequente em certas versões da enfermidade, como o fibrossarcoma infantil e mesmo subtipos do câncer de mama, pulmão e intestino. No entanto, ela pode aparecer em outros cantos do corpo.
Nos estudos que justificaram a aprovação no Brasil – somos o segundo país do mundo a fazer isso, atrás apenas dos Estados Unidos –, o larotrectinibe beneficiou de 70 a 75% dos pacientes com câncer avançado que manifestavam aquela mutação. Ao final de um ano, 71% deles seguiam com a doença controlada, segundo Barreto Costa.
Só tem um detalhe: no momento, a medicação só poderá ser empregada quando a doença se espalhou pelo organismo e se não há mais opções satisfatórias de tratamento. Portanto, ela fica reservada para as situações em que não há outra terapia ou para quando as estratégias geralmente utilizadas já falharam (tanto para crianças quanto para adultos).
“Com o tempo, novos estudos devem ampliar essa indicação para quadros menos avançados”, especula Barreto Costa.
Como o larotrectinibe ataca especificamente as moléculas decorrentes daquela fusão do gene NTRK, ela é menos tóxica do que a quimioterapia. Seus principais efeitos colaterais são: fadiga, náusea, tosse e vômitos.
Como identificar a fusão do gene NTRK
Os médicos começam colhendo uma pequena amostra do câncer por meio de uma biópsia – isso já é um procedimento de rotina na maioria dos casos. A partir daí, exames de laboratório detectam a eventual presença dessa alteração, o que abre as portas para a indicação do larotrectinibe.
“Hoje, temos métodos simples e relativamente baratos para descobrir a presença dessa alteração”, garante Barreto Costa.
O complicado mesmo vai ser pagar pelo tratamento – pelo menos em um primeiro momento. Como a medicação acabou de receber a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), seu preço ainda não foi definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos.
Contudo, provavelmente ela não será barata e deve enfrentar resistência até na rede privada, eminentemente por causa da cobertura dos planos de seguro.