Cardiologistas de todo o mundo se reuniram recentemente no European Society of Cardiology 2022 (ESC), em Barcelona. Entre os estudos e debates, a insuficiência cardíaca ganhou destaque. Mas não foi, nem de perto, a única doença abordada.
A importância da adesão ao tratamento, novas opções terapêuticas e promessas malsucedidas ocuparam as discussões do evento, que, no fim das conta, foca na qualidade de vida do paciente.
“É importante que a população saiba como essas pesquisas podem impactar o tratamento e a visita ao médico”, afirma o cardiologista Leonardo Jorge Cordeiro de Paula, diretor acadêmico da Escola Brasileira de Medicina (Ebramed) e médico do Instituto do Coração (Incor), que acompanhou o evento. Confira.
O efeito da má adesão ao tratamento para o coração que bate fraco
Não seguir o tratamento à risca é uma das causas que agravam o quadro de quem possui insuficiência cardíaca, segundo o estudo brasileiro Breathe (Brazilian Registry of Heart Failure). O médico Denilson Campos de Albuquerque, um dos autores do estudo, aponta que há um desafio em aderir adequadamente ao tratamento, uma vez que boa parte dos pacientes com esse quadro toma um bom número de medicações, inclusive para outros problemas de saúde.
Por essa e outras causas, a taxa de mortalidade da insuficiência cardíaca alcança 10%. Esses dados foram levantados ao acompanhar pouco mais de 3 mil pessoas internadas por um ano em 71 centros de todas as regiões do Brasil, ao longo de 2011 e de 2016.
Remédio para diabetes contra insuficiência cardíaca
A dapagliflozina, utilizada no tratamento do diabetes tipo 2, mostrou-se uma boa aliada para pacientes com insuficiência cardíaca, mesmo entre os não possuem níveis de açúcar no sangue elevados.
“Desde 2019 sabíamos que esse medicamento tinha um efeito robusto em quem sofria de insuficiência grave, reduzindo inclusive a mortalidade. Mas um novo estudo discutido no congresso aponta que há benefícios também a quem possui uma disfunção menos severa”, explica Cordeiro de Paula.
Melhoras foram observadas na redução de internação e de crises. “Com isso, o uso desse medicamento associado a outros já comuns nesses casos passa a beneficiar uma gama maior de pacientes”, conclui o cardiologista.
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Por outro lado, cerca de 40% das pessoas com diabetes desenvolvem problemas cardiovasculares. Como já contamos aqui em Veja Saúde, um novo fármaco pode prevenir essa complicação ente os que convivem com o diabetes tipo 2. É a finerenona, que age contra inflamações, principalmente no músculo cardíaco e nos rins.
Remédio para pressão alta não tem hora certa
Um estudo ligados ao tratamento da hipertensão arterial chamou a atenção durante o congresso ao apontar que o horário para tomar anti-hipertensivos não é importante. “É interessante, porque os médicos sempre tiveram a tendência de solicitar que o paciente tomasse esse medicamento pela manhã, sem muito respaldo científico para isso”, comenta Cordeiro de Paula.
Após observar pessoas ingerindo esses remédios de manhã ou à noite por cinco anos, ficou claro que não houve diferença no risco de infarto, derrame e morte cardiovascular. Saiba mais neste artigo.
Três benefícios em um comprimido
Não é fácil tomar diversos medicamentos, todos os dias, corretamente. Uma pílula que reúne três substâncias, portanto, facilita a vida de cardíacos – e um estudo comprovou que essa tecnologia faz a diferença.
Pesquisadores disponibilizaram a um grupo o comprimido que agrega as três fórmulas: ácido acetil salicílico, o AAS (que previne formação de coágulos), atorvastatina (redução de colesterol) e ramipril (age contra a hipertensão). Já outra turma continuou tomando as pílulas separadamente.
Pouco mais de dois anos depois, foi observado que a pílula três-em-um garante uma melhor adesão e evita mais mortes e complicações cardíacas.
“Houve uma nítida redução nos eventos cardiovasculares, já que tínhamos sempre a suspeita de que um ou outro medicamento era esquecido pelo paciente”, observa Cordeiro de Paula.
Diurético baratinho reduz tempo de internação
Quem sofre de insuficiência cardíaca precisa tomar água com moderação. É que pessoas nessas condições tendem a reter líquidos, o que pode até afetar os pulmões e levar o indivíduo para o hospital. Uma vez internado, ele fica dias tomando drogas específicas até “secar” todo esse excesso de água.
“Um novo estudo aponta que a acetazolamida, um diurético antigo e barato que até já perdeu a patente, faz uma grande diferença nesse procedimento”, revela o cardiologista.
Ele foi associado a outra medicação endovenosa, a furosemida, que já era utilizada habitualmente. Essa combinação inédita diminuiu o tempo de internação em até dois dias.
“A redução do tempo de internação propicia menor risco de infecção, economia nos custos hospitalares e um rápido retorno para a vida. Isso com uma droga conhecida e barata”, celebra Cordeiro de Paula.
O dilema da varfarina na fibrilação atrial reumática
Esse tipo de arritmia cardíaca exige bastante cuidado. “Temos, no Brasil, uma quantidade grande de pacientes com necessidade de anticoagulantes para evitar eventos embólicos, como o AVC“, explica Cordeiro de Paula.
Esse anticoagulante é varfarina. O problema: ela é repleta de efeitos colaterais e exige muitos cuidados. “A varfarina interage com outros medicamento e até com alimentos. Para conseguirmos chegar à dose correta, é preciso fazer exames semanais. O Incor possui até um centro especializado nesses testes, é uma rotina bem difícil”, explica o médico.
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Pois havia a esperança de que a rivaroxabana, outro tipo de anticoagulante, pudesse resolver o problema sem a necessidade de um acompanhamento tão próximo. Infelizmente, o estudo Invictus chegou à conclusão de que o anticoagulante em questão não traz benefícios para esse grupo de pessoas.
Para o Brasil, estudos nesse sentido podem fazer diferença. É que aqui há um alto índice de febre reumática – causada pela falta de tratamento de infecções bacterianas de garganta. Uma das consequências dessa doença é fibrilação atrial reumática. “São casos mais raros em países desenvolvidos, em que as pessoas tem mais acesso a serviços de saúde”, pontua o médico.
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Aposta perdida
Outro estudo com resultados negativos vale a pena ser citado, segundo o médico. É que muitos cardiologistas eram entusiastas de um remédio chamado alopurinol. Originalmente utilizado para redução de ácido úrico no tratamento da crise de gota, ele teria ação no tratamento da doença arterial coronariana, ligada ao infarto do miocárdio.
“Só que o estudo não apontou melhora de nenhuma das complicações, como infarto, AVC ou morte cardiovascular”, conta Cordeiro de Paula.