Quando o bebê começa a falar? Especialista conta quando se preocupar
É preciso considerar todo o contexto de vida da criança para entender se há atrasos no desenvolvimento da linguagem. Em caso de suspeita, melhor investigar
Já percebeu como crianças de mesma idade podem estar em momentos diferentes do ponto de vista de aquisição de linguagem? Pois o desenvolvimento da fala depende de diversos fatores, segundo Camila Guarnieri, especializada em fonoaudiologia pediátrica na Clínica Care Materno Infantil, em São Paulo.
Para estimular a comunicação, é importante dedicar tempo para brincar com o bebê e também criar conexões de olhar e gestos.
O contexto em que a criança vive é outro aspecto que interfere nessa habilidade. Uma prova é o isolamento imposto pela pandemia do coronavírus, que provocou atrasos motores e cognitivos em alguns pequenos.
Em entrevista à Veja SAÚDE, Camila explica como ocorre a evolução da fala e reforça a importância de buscar ajuda quando houver sinais de atraso. Independentemente do motivo por trás do problema, o tratamento é mais eficaz nos primeiros anos de vida. Confira:
Veja SAÚDE: Quando os bebês começam a falar e como ocorre esse desenvolvimento ao longo dos primeiros anos de vida?
Camila Guarnieri: Uma série de processos ocorrem até que o bebê passe a falar do jeito que imaginamos, mas podemos citar alguns marcos importantes de desenvolvimento.
É essencial, em primeiro lugar, entender que a linguagem é uma questão social. A criança precisa ter vontade de se comunicar e de interagir. Antes da fala em si, essa troca começa no olhar e até naquela risada que ela dá em resposta a uma gracinha.
Logo vem o balbucio. Ele se transforma, até mais ou menos 1 ano de idade, em sílabas repetidas, como “mamama” ou “papapa”. A criança desenvolve também a entonação. Mesmo um som sem sentido muitas vezes vem em tom de pergunta ou como reação de raiva. E tudo isso vai acontecendo meio junto.
Antes de chegar aos 2 anos, as crianças começam a ensaiar mais palavras que tenham conexão com a rotina, como “papai”, “mamãe” e o nome de uma comida ou um brinquedo.
A partir dos 2 anos, algumas palavras começam a vir juntas e surgem frases bem simples. Isso vai se aprimorando até que, perto dos 6 anos, o vocabulário fica mais robusto e mais próximo da fala de um adulto. As frases passam a ser mais corretas, com noção de plural, passado e futuro.
Cada criança tem seu ritmo ou dá para levar esses marcos à risca?
A genética de cada criança associada a uma gama de outros fatores definem o ritmo de aprendizagem. Por exemplo: se a família é mais ou menos falante e se é menor ou mais numerosa, se o pequeno frequenta a escola, além de outras realidades a serem avaliadas.
De qualquer forma, se o ritmo for mais lento, não dá para culpar uma coisa só, como se fazia com os pais antes. Até porque existem casos de crianças bem pouco estimuladas e que têm uma comunicação muito boa.
+ Leia também: Atraso no desenvolvimento da fala: quando se preocupar
Quando buscar ajuda profissional?
É claro que não existe uma chavinha que faz a criança mudar de fase. Por exemplo: não é porque o pequeno completou 1 ano que ele vai destravar alguma habilidade de forma imediata. Porém, não se deve esperar grandes atrasos para procurar ajuda. Se houver dúvida sobre o andamento desse processo, melhor investigar.
Alguns aspectos chamam a atenção, como criança com dificuldade de interação, que responde pouco quando é solicitada ou que brinca de uma forma meio limitada, não variando os brinquedos e as atividades. Todos esses fatores acendem uma luz vermelha. Se o bebê não balbucia nem chora, são mais alertas.
De qualquer forma, é importante que os pais sempre atualizem o pediatra sobre a aquisição de fala. Esse profissional tem uma visão geral a respeito do tema, e indicará a necessidade de buscar um fonoaudiólogo.
Quanto antes isso acontecer, melhor, já que a criança tem uma melhor neuroplasticidade até os 3 anos. Trata-se da capacidade de aprender coisas novas.
Como agir no dia a dia para estimular a fala?
A interação é muito importante e ela deve ser feita com qualidade. Ou seja, é melhor brincar por menos tempo, só que dando atenção plena à criança.
Mas não pode cair na armadilha de usar a brincadeira só para estimular. É que ficar perguntando coisas demais, como o nome de uma cor ou de determinado objeto, pode chatear a criança e tirar seu interesse natural.
Outro ponto é que se aprende pelo exemplo. Então, falar corretamente e usar momentos de interação são fatores importantes. Ao dar banho, vá falando sobre o passo a passo. O mesmo vale para a hora da alimentação. É uma forma de aprender novas palavras.
Dar tempo à criança é outra questão essencial. Por isso, espere para receber uma resposta. Uma dica é contar mentalmente cinco segundos depois de fazer uma pergunta a ela.
Como a pandemia influenciou na fala da criançada?
Ainda não sabemos a forma exata como o isolamento impactou nesse aspecto. Tem muita gente fazendo pesquisa para entender melhor esse fenômeno.
Mas o movimento no consultório cresceu, o que também pode ter acontecido porque os pais passaram mais tempo perto dos filhos e, assim, conseguiram observar melhor esse processo.
O lado bom é que as crianças estão chegando mais cedo ao consultório.
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Como é o tratamento?
Precisamos de tempo. Primeiro, devemos entender qual a dificuldade da criança e em que etapa ela está. Isso é feito com bastante observação e com testes em ambientes diferentes. Falar como um adulto parece simples, mas passamos por muitas etapas para chegar nisso.
É fundamental entender se o problema é persistente ou não antes de planejar a intervenção. Pode haver a necessidade de envolver outros profissionais, por exemplo. Todo esse caminho precisa ser lúdico e envolver a família e a escola.
Durante o processo do diagnóstico tomamos o cuidado de não taxar a criança.
Como a escola deve fazer parte desse processo?
Há instituições que contam com fonoaudiólogos, mas isso não é comum. Nosso papel é, então, dar orientações mais gerais para os professores ou para a coordenação para que eles construam um ambiente mais favorável àquela criança.
Até pensando nesse ambiente, quanto mais cedo a criança for tratada, melhor. Isso porque há o risco de ela começar a sofrer bullying e ter o processo de alfabetização prejudicado. Ou seja, a situação pode virar uma bola de neve, influenciando em outros aspectos do desenvolvimento.