Cerca de 10% das crianças e adolescentes a partir dos cinco anos apresentam episódios de xixi na cama, também chamados de enurese noturna.
Antes disso, é normal haver escapes, já que capacidade de controlar a urina se desenvolve ao longo dos primeiros anos de vida. No entanto, o processo é complexo e ainda não é totalmente compreendido pela ciência.
A condição tem origem multifatorial e pode se tornar uma dor de cabeça para as famílias. Mas há diferentes métodos de tratamento. E, antes de mais nada, requer paciência, cuidado e apoio.
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Por que meu filho faz xixi na cama?
Os aspectos genéticos são uma das principais causas da enurese noturna.
Isso significa que, se os pais passaram por isso na infância, as chances de os filhos receberem essa “herança” de presente são consideráveis. Quando apenas um membro do casal conviveu com a condição, a probabilidade é de 44%. Se os dois apresentaram, a possibilidade sobe para 77%.
Além disso, o quadro é de duas a três vezes mais comum em meninos do que em meninas, por razões desconhecidas.
O diagnóstico pode ser realizado somente a partir dos cinco anos de idade, como explica o presidente do departamento de pediatria ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Tadeu Fernando Fernandes.
“Estabelece-se esse limite para que a criança alcance o controle do esfincter e consiga dormir sem fazer xixi na cama. Existe todo um grau de amadurecimento do sistema nervoso e da musculatura pélvica, que faz com que a regulação aconteça nessa idade”, resume o médico.
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Enurese primária e secundária
A enurese noturna é definida como primária quando o indivíduo nunca adquiriu o controle da micção e secundária quando essa capacidade foi obtida e mantida ao menos por seis meses. No segundo caso, o problema é associado principalmente ao estresse.
“O nascimento de um irmãozinho, a separação dos pais, a perda de um ente querido, bullying ou troca de escola. São várias situações que fazem com que a criança volte a fazer xixi na cama”, pontua Fernandes.
O especialista da SBP destaca ainda que episódios muito frequentes devem ser investigados por um médico para confirmar ou descartar a hipótese de diabetes tipo 1, que afeta principalmente os mais jovens. A doença apresenta, entre outros sintomas, o aumento da micção, com possibilidade de perda de controle durante o sono.
Mudanças de hábito
Alterações de comportamento podem ajudar a minimizar o problema. A primeira coisa é reduzir o volume de líquidos ingeridos antes de ir para a cama.
“Se você dorme com a bexiga cheia, o risco de fazer xixi durante a noite aumenta. Outro bom hábito, simples de adotar, é ir ao banheiro antes de deitar para esvaziar a bexiga”, diz Fernandes.
Criar uma rotina é um método útil para tornar a adaptação mais fácil. “Vamos escovar o dentinho, colocar um pijaminha, fazer xixi. E, a partir de agora, não pode tomar mais água”, recomenda o médico.
Para melhorar o ritmo urinário, deve-se fomentar a ida ao banheiro a cada três horas. Incluindo, nesse contexto, o período escolar.
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Conscientização
O conhecimento é uma ferramenta essencial para pais e cuidadores.
“Antigamente, era um grande problema para as crianças serem enuréticas. Os pais expunham ao ridículo, contavam para os amiguinhos ou deixavam ao filho molhado a noite toda. Mas não devemos recriminar ou punir, visto que a criança não tem culpa”, alerta Fernandes.
O controle da micção deve ser estimulado como um entre tantos aprendizados ao longo da infância. Não é recomendado relacionar a dificuldade a qualquer juízo de valor.
“É importante que os pais estejam conscientes de que a enurese noturna é causada por um problema urológico, e não por preguiça ou rebeldia. Em vez de punição, a criança precisa de acolhimento e que cada noite seca seja celebrada como uma vitória”, diz o urologista Ubirajara Barroso Jr., secretário-geral da International Children’s Continence Society (ICCS).
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Como tratar a enurese noturna
O apoio dos pais e cuidadores é fundamental. O reforço positivo pode ser potencializado de maneira lúdica, com a criação de calendários que enalteçam a quantidade de noites secas alcançadas pela criança, por exemplo.
Uma alimentação turbinada com alimentos ricos em fibras, como hortaliças, cereais integrais, leguminosas e verduras, favorece o funcionamento gastrointestinal.
Os tratamentos incluem ainda acompanhamento psicológico, treinamentos para autorregulação e, em última instância, o uso de medicamentos com prescrição médica.
“Uma metodologia atual chamada biofeedback pode ser utilizada. Consiste na criança adquirir a consciência, ou o controle sensorial, do ato de prender e soltar o xixi. Por exemplo, durante o dia, no quintal de casa, fala: ‘Vamos molhar a plantinha, faz o xixi. Agora para, segura. Então, faz novamente’. Isso dá um resultado muito grande, além de ser um método lúdico”, detalha Fernandes.
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Alternativa
Alarmes sonoros também podem ser utilizados para corrigir o problema. O Soluu, por exemplo, consiste em um sensor de umidade, um circuito sonoro e uma estimulação para a contração da musculatura do assoalho pélvico.
Trata-se de uma vestimenta que a criança usa enquanto dorme. Quando o sensor de umidade é ativado, além de disparar um alarme, enviado para o celular dos pais, o dispositivo também ativa um estímulo para a contração do esfíncter externo, ajudando a conter a urina.
O instrumento evita que a criança urine na cama e ajuda a condicioná-la a acordar quando a bexiga está cheia. O produto foi desenvolvido pelo médico Ubirajara Barroso Jr. em parceria com o urologista norte-americano Andrew Kirsch, chefe do serviço de urologia da Emory University, em Atlanta.
O tratamento dura em torno de quatro meses. Após a criança ter parado de urinar na cama por 14 dias, o alarme deve ser usado por pelo menos mais um mês para captar qualquer refratariedade.