Você lembra qual foi a maior dificuldade que teve com seus pais durante a infância e a adolescência? Pois bem, não é de hoje que a falta de um diálogo sincero e até a imposição de certa hierarquia acabam afastando a família.
Foi para desfazer essas barreiras armadas dentro de casa — e que podem emperrar o relacionamento entre pais e filhos — que o neurocientista Fernando Gomes Pinto escreveu um livro junto a Amanda, sua filha adolescente.
Em Se Ninguém Fala, Ninguém Fica Sabendo (clique aqui para comprar), eles usam seu vínculo e história pessoal para discutir questões como ciúme, separação, sexualidade, limites, aceitação das diferenças e saúde mental.
A obra também traz várias caixinhas de texto com a visão da ciência sobre os temas em debate. “O recorte de uma filha e de um pai narrando as coisas pode auxiliar outras pessoas na criação dos filhos. E a neurociência aplicada ao comportamento torna essa relação muito melhor”, diz o autor.
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Confira uma pequena entrevista com os dois:
Um pai neurocientista e uma filha adolescente escreverem sobre a sua relação é algo bem original. De onde veio essa ideia?
Fernando: Surgiu das conversas que eu e a Amanda sempre tivemos, além do pano de fundo de eu estudar há anos o comportamento humano. Sempre tentei transmitir para ela as coisas que eu acho importantes como pai, mas entendendo que o cérebro humano está em desenvolvimento contínuo, só ficando pronto aos 21 anos, com a finalização de uma área chamada lóbulo frontal. Essa região é responsável pelo senso crítico, pelo juízo, por boas escolhas e pela estrutura racional. E é isso que os pais querem, que o jovem possa ter uma vida plena, feita de escolhas boas e significativas.
No início do livro, os dois comentam bastante a amizade entre um pai e uma filha. Do ponto de vista da neurociência, o pai está mais distante de uma filha mulher do que de um filho homem?
Fernando: As experiências que eu tive são mais facilmente replicáveis com um filho homem, assim como a realidade feminina tem particularidades que fazem com que a mãe lide com as situações de forma mais orgânica. O grande desafio do ponto de vista neurocientífico é que essas diferenças não representem uma barreira para a amizade entre pai e filha, mas sim uma grande oportunidade.
Um dos problemas mais comuns da convivência em família é quando há ciúme entre irmãos, principalmente pela atenção dos pais. Como foi lidar com isso?
Amanda: Não vou falar que foi fácil, mas desde pequena sempre fui ensinada a dividir a atenção. O ciúme existia, mas minha criação fez o amor e o cuidado pelos meus irmãos serem maiores do que essas inseguranças.
Fernando: É essencial deixar claro que todos os filhos são importantes. Para criar uma relação saudável, é necessário um diálogo aberto com todos, e os pais precisam ficar atentos em relação ao equilíbrio. Isso se assemelha ao conceito de equidade que usamos no SUS: os filhos têm necessidades e características diferentes, então eles não precisam receber sempre as mesmas coisas, mas precisam ter a mesma atenção e o devido tratamento em situações boas ou problemáticas para não se criarem disputas dentro da família.
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Vocês também falam sobre a descoberta da sexualidade no livro. Qual seria o papel do pai nesse aspecto?
Fernando: A mãe e o pai devem fazer parte do início da experimentação da sexualidade. Querendo os pais ou não, a vida sexual dos jovens começa cedo, e o melhor é que toda a orientação saia de dentro de casa, de forma coerente, consistente e com o que existe de evidência científica a respeito. Essas conversas criam vínculos significativos entre pais e filhos, assim como evitam problemas como ISTs e gravidez indesejada.
Quais foram os maiores aprendizados que vocês tiveram ao escrever o livro juntos?
Amanda: Eu me aproximei ainda mais do meu pai. Compartilhar informações e experiências diferentes me ajudou a amadurecer, assim como foi muito bom deixar claro meu ponto de vista ao meu pai. Acho que é um livro que pode ajudar pessoas mais velhas a lidar com a juventude, assim como jovens a terem um relacionamento melhor com a família.