Com a recente confirmação de duas mortes causadas pela febre do oropouche, da qual já tratamos nesta coluna, agora sabemos que esse vírus pode ser letal, algo que nunca havia sido relatado antes.
Mas isso não quer dizer, necessariamente, que o vírus tenha sofrido alguma mutação e aprendido a matar. Pode ser que as vítimas tivessem outras doenças intercorrentes que as tornaram mais suscetíveis a complicações, ou que seus escudos imunológicos não foram capazes de barrar uma infecção que não é letal em outras pessoas.
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Por que os casos estão aumentando?
Desde 2023, tivemos uma subida no número de casos de oropouche.
Mas o que contou não foi necessariamente um alastramento da doença de lá para cá, mas sim o fato de que o Ministério da Saúde descentralizou o diagnóstico, o que fez com que mais casos fossem detectados e entrassem na conta oficial.
Essa mudança também mostrou que o vírus está mais disseminado do que pensávamos. Dos milhares de casos detectados até agora, aqueles chamados de autóctones — ou seja, que não vieram de outra aérea, mas sim se transmitiram localmente — ocorreram em 16 estados no Brasil.
Oropouche e microcefalia
Uma preocupação mais traumática é a de que o oropouche possa causar microcefalia fetal durante a gestação, como os milhares de casos que já vimos entre 2015 e 2017 por aqui, causados pelo zika, um vírus nada aparentado com o oropouche.
Já se sabe pelo menos desde 2007 que o oropouche é ávido por infectar células cerebrais em experimentos com camundongos, causando estragos significativos em seu sistema nervoso central. E outras pesquisas mostraram que ele se dá muito bem em células nervosas humanas.
O vírus causa microcefalia ao se multiplicar no cérebro do feto, levando o mesmo a ter tamanho e funções drasticamente reduzidos. Para isso, primeiro ele tem que passar da mãe para o feto pela circulação sanguínea que os dois compartilham, a chamada transmissão vertical.
As evidências, por enquanto, não levam a certeza desse envolvimento. São elas:
Primeiro, anticorpos contra o vírus oropouche foram encontrados no sangue e no líquor (líquido que banha o sistema nervoso central) de recém-nascidos com microcefalia, mas esses anticorpos podem tanto ter sido produzidos pelo feto quando o vírus chegou até ele como terem sido passados ao bebê já prontos, produzidos pelo sista imune da mãe.
Segundo, durante um surto de oropouche em Manaus entre 1980 e 1981, o vírus foi detectado em mulheres grávidas, das quais duas tiveram abortamento. Outros abortos estão em investigação neste ano.
Isso mostra que o vírus passa da mãe ao feto e que pode influenciar no andamento da gestação, mas ainda estamos por provar seu papel na microcefalia em si. Estudando casos passados e os infelizmente novos casos suspeitos, podemos chegar a uma conclusão.
Contudo, as evidências experimentais que citei anteriormente me dizem que é mais provável que esse efeito realmente exista. Talvez isso tenha passado batido até agora porque não considerávamos o oropouche entre as causas de microcefalia.
Muitos outros vírus ainda estão escondidos, longe das cidades, mas nossas fronteiras vão aos poucos se encontrando. Como ocorre com a dengue, a febre amarela, a chikungunya e o zika, a mudança climática e o desflorestamento criam áreas favoráveis aos mosquitos, que levam com eles o vírus oropouche.
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Para este e muitos outros habitantes da Virosfera, não temos ainda vacinas e nem antivirais. Ficamos com o repelentes, tanto aqueles contra mosquitos, quanto os contra o negacionismo.