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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Retratado em novela no ar, alcoolismo também ameaça mulheres

Consumo de bebida alcoólica cresceu entre elas, que são ainda mais vulneráveis aos seus efeitos

Por André Bernardo
15 mar 2022, 16h47
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  • A psicóloga carioca Ana Café sabe direitinho quando o tema alcoolismo está sendo abordado em uma novela de TV. O número de pacientes à procura de tratamento tende a subir em sua clínica no Rio.

    Foi o que aconteceu entre outubro de 2001 e junho de 2002, quando a Globo exibiu O Clone. Escrita por Glória Perez, a trama tinha dois dependentes: Mel (Débora Falabella) e Lobato (Osmar Prado). O fenômeno se repete agora com Um lugar ao sol. Na novela de Lícia Manzo, Denise Fraga interpreta Júlia, uma cantora que perde o controle com o álcool.

    “Quando o alcoolismo vira tema de novela, o público começa a debater o assunto de maneira menos preconceituosa e mais científica”, acredita Ana.

    “Nossa cultura é muito alcoolista. O brasileiro normalizou sua relação com o álcool. Considero de extrema importância levar esse alerta para dentro da casa das pessoas”, explica a psicóloga.

    Ao travar sua luta contra a bebida, Júlia enfrenta inúmeras recaídas, coloca fogo no próprio apartamento e, a certa altura, é internada em uma clínica de reabilitação pelo filho. Por diversas vezes, a atriz se emocionou ao decorar suas falas ou ao gravar suas cenas.

    + LEIA TAMBÉM: O aumento no consumo de álcool com a pandemia

    Para dar vida à personagem, Denise frequentou reuniões dos Alcoólicos Anônimos (A.A.) e aprendeu, entre outras lições, que o termo correto é alcoólica, e não alcoólatra — o sufixo “latria”, derivado do latim, significa “adoração”.

    “Júlia me fez conhecer melhor o trabalho do A.A. Parece simples. Você vai lá e dá seu depoimento. Os outros escutam. E você percebe que não está sozinha”, escreveu a atriz em suas redes sociais.

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    “Tem gente que conseguiu. Tem gente que conseguiu e, depois, recaiu. Tem gente que não conseguiu. Ainda. Porque lá se renova a esperança. Todo dia”.

    Volta e meia, o alcoolismo feminino é abordado em filmes e novelas. Lá fora, as atrizes Meg Ryan, Sandra Bullock e Anne Hathaway interpretaram dependentes químicas em Quando um homem ama uma mulher (1994), 28 dias (2000) e O casamento de Rachel (2008).

    Por aqui, Renata Sorrah, Bárbara Paz e Glória Pires já emprestaram seu talento para viver alcoolistas em Vale tudo (1988), Viver a vida (2010) e O outro lado do paraíso (2017). Uma das dependentes químicas mais comoventes da teledramaturgia brasileira é Santana, de Mulheres apaixonadas (2003).

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    Numa cena, a professora interpretada por Vera Holtz, na falta do que beber, recorre a um vidro de perfume. Noutra, de tão alcoolizada, pula na piscina durante uma festa do colégio onde dá aula. Mais adiante, a diretora flagra Santana “camuflando” bebida numa xícara de café.

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    Mas, afinal, alcoolismo não é tudo igual? Ou há diferença entre o alcoolismo feminino e o masculino? Do ponto de vista físico, mental e emocional, a mulher é mais vulnerável ao consumo de bebida alcoólica do que o homem. Em geral, elas começam a beber mais tarde, mas, em compensação, levam menos tempo para se tornarem dependentes.

    “Mesmo ingerindo doses menores, as mulheres tendem a adoecer mais, em um intervalo menor e com uma gravidade maior”, afirma Ana Cecília Marques, doutora em neurociência pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e conselheira da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD).

    “Não bastasse, elas demoram mais tempo para procurar tratamento. O estigma social ainda é muito grande e isso dificulta a aceitação do problema”, observa.

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    Quem vê todas as noites a novela Um lugar ao sol e, dia sim, outro também, se emociona com a atuação de Denise Fraga é a publicitária Graziella Santoro, de 52 anos.

    Ela é a fundadora da Associação Alcoolismo Feminino. Criada em 20 de fevereiro de 2020, pouco antes do início da pandemia, reúne hoje mais de 500 mulheres, de todos os estados brasileiros e algumas até residentes no exterior.

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    “A ideia inicial era criar um perfil nas redes sociais para falar sobre o problema de forma não anônima e conseguir ajudar mais mulheres”, conta Graziella, que nasceu em Niterói e mora em Belo Horizonte. “A principal motivação foi uma matéria que dizia que, nos últimos dez anos, o consumo de álcool entre as mulheres tinha crescido em torno de 40%. Aquilo me chocou demais”.

    A reportagem a que Graziella se refere é baseada na pesquisa Vigitel do Ministério da Saúde. Em 2019, houve um aumento de 42,9% no consumo abusivo de álcool entre as mulheres. Passou de 7,7 em 2006 para 11% em 2018. No mesmo período, o consumo entre os homens subiu 5% (de 24,8 para 26%).

    Por uso abusivo, o ministério entende o consumo de quatro ou mais doses entre as mulheres e de cinco ou mais doses entre os homens, em uma mesma ocasião, nos últimos 30 dias.

    “O alcoolismo é a doença da negação. Raramente o indivíduo admite que tem. Em geral, são os outros que notam o problema”, expõe Ana Café.

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    Dois sinais de alerta são a tolerância (ingerir mais e mais doses para obter o mesmo efeito) e a abstinência (passar mal quando para de ingerir álcool depois de um longo período de consumo abusivo).

    Sóbria há 13 anos, Graziella relata que provou sua primeira caipivodca aos 14 por influência da mãe. “Ela também era alcoolista. Não sabia o que estava fazendo”, lamenta. Certa manhã, pediu à filha mais velha, então com 9 anos, que cuidasse da mais nova, de 6, enquanto ia à padaria.

    + LEIA TAMBÉM: Idosos brasileiros estão consumindo muito álcool

    Naquele dia, Graziella não foi à padaria nenhuma. Como das outras vezes, era mais uma desculpa que arranjava para beber. Enquanto esperava pelo elevador, ainda ouviu as filhas esmurrarem a porta e pedirem para voltar. E ela voltou, de madrugada, totalmente embriagada.

    “O pior momento foi quando, estando alcoolizada, fui espancada por um namorado e desmaiei no meio da rua”, recorda. Por sorte, foi encontrada pelo irmão e levada para casa, com o rosto ensanguentado, onde os pais e a filha mais velha, desesperados, a esperavam no portão.

    No dia seguinte, sua mãe a chamou para conversar e disse que, se ela não procurasse ajuda, a colocaria para fora com as filhas. “Fui para uma sala de 12 passos e nunca mais bebi”, relata.

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    Ao longo de mais de uma década, Graziella consultou psicólogos e psiquiatras especializados em dependência química, tomou remédios com a devida prescrição médica e frequentou grupos de ajuda mútua, como os Alcoólicos Anônimos (A.A.) e os Codependentes Anônimos (CoDA).

    Para continuar sóbria, participa das reuniões da associação que ajudou a fundar e faz terapia. “Não há dose segura para o consumo. Infelizmente, nossa sociedade está encharcada por essa substância”, desabafa. “Escolhi não beber mais. Escolho gostar de mim, me cuidar e levar uma vida lúcida e saudável. Hoje é uma escolha e não mais uma necessidade”, diz.

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    No ano passado, você…

    …bebeu mais do que pretendia ou por mais tempo do que desejava?

    …quis ou tentou, por mais de uma vez, diminuir ou parar de beber e não conseguiu?

    …passou muito tempo bebendo, sentindo-se mal ou sofrendo os efeitos da ressaca?

    …quis tanto beber que não conseguia pensar em mais nada?

    …descobriu que consumir álcool interferia em sua vida familiar, acadêmica ou profissional?

    …continuou a beber, mesmo que a bebida causasse problemas para você ou para sua família?

    …deixou de fazer atividades importantes ou prazerosas só para ficar mais tempo bebendo?

    …se expôs a situações de risco que aumentavam suas chances de se machucar, como dirigir embriagada?

    …continuou a beber, mesmo que isso a deixasse deprimida ou lhe causasse problemas de saúde?

    …consumiu mais álcool do que antes só para ter o efeito desejado?

    Se você respondeu “sim” a pelo menos duas das questões acima, procure orientação médica. Se respondeu “sim” a duas ou três, seu nível de dependência é considerado leve. A quatro ou cinco, o nível é moderado. E a seis ou mais, já está bem grave. 

    Fonte: Associação Americana de Psiquiatria

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