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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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O que experts em dependência tecnológica pensam de “O Dilema das Redes”

Documentário da Netflix alerta para os danos que as redes sociais e outros sites e aplicativos podem causar à saúde mental

Por André Bernardo
24 nov 2020, 19h31
dilema das redes netflix
Cena de "O Dilema das Redes", documentário da Netflix que critica a indústria das redes sociais.  (Foto: Netflix/Divulgação)
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A atriz Juliana Paes perdeu o sono depois de assistir. A escritora Martha Medeiros sentiu o coração disparar. “Parecia que eu estava diante de um filme de terror”, relatou em uma crônica. Lá fora, George R.R. Martin, autor da saga que deu origem à série A Guerra dos Tronos (clique para comprar), teve a mesma sensação. “Me assustou mais do que qualquer filme de terror que vi nos últimos 20 anos”, postou em seu Twitter. Mas, afinal, do que eles estão falando? O que será que os aterrorizou tanto?

Todos eles assistiram a O Dilema das Redes, da Netflix. Dirigido por Jeff Orlowski, o documentário mescla depoimentos reais de ex-executivos do Vale do Silício, na Califórnia, com cenas dramatizadas do impacto das redes sociais no cotidiano de uma família americana.

“O Google e as redes sociais sabem tudo sobre você: o que come, o que vê, o que lê, suas opiniões, seus posts, seus amigos, quem você segue, onde mora, quanto ganha, onde gasta, seus gostos e desgostos, sabe até o que você gostaria de ter”, resume o jornalista Nelson Motta na crônica Vampiros Digitais.

Mas houve quem não teve insônia nem sentiu taquicardia após o filme. São os especialistas em saúde mental que, há tempos, estudam os estragos da dependência tecnológica sobre seus pacientes. O coordenador do Programa de Dependentes de Internet do Ambulatório dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI), do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Cristiano Nabuco, é um deles.

“O documentário não me surpreendeu em nada. Falo sobre os perigos da dependência tecnológica há quase duas décadas”, diz. Surpreso ele ficou no dia em que atendeu um jovem de 17 anos que deu entrada no hospital depois de passar 55 horas conectado. “Mas como ele fazia suas necessidades?”, quis saber o psicólogo. “Ele urinava e defecava nas calças e, depois, jogava pela janela”, contou a mãe do rapaz. Chocante!

Para Nabuco, um dos méritos do filme foi mostrar como funcionam as engrenagens da chamada ciência da persuasão. Em gigantes como Google, Facebook e Twitter, designers e engenheiros são pagos – e muito bem pagos! – para desenvolver mais e melhores estratégias de engajamento digital. Ou seja, como convencer o internauta a permanecer mais tempo conectado, navegando por sites nunca antes navegados, e exposto a anunciantes famintos por compras online.

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“Quanto mais tempo navegamos, mais lucros essas plataformas têm. Algumas delas já valem mais do que multinacionais de energia e petróleo. A última preocupação deles é com a nossa saúde mental”, adverte o psicólogo da USP. Coincidência ou não, o Brasil já ocupa o segundo lugar no ranking dos países que mais tempo passam online: são 9 horas e 29 minutos por dia! “Isso representa 110 dias por ano. São quase quatro meses com os olhos vidrados nas telas”, alerta Nabuco.

Os aprendizes de feiticeiro

O ex-designer do Google, Tristan Harris, é um dos mais de 30 executivos da indústria de tecnologia que aceitaram gravar depoimento para Orlowski. É dele a aspa que tirou o sono de Juliana: “Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto!”. Há outras tão impactantes quanto, caso de “Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de softwares”. Seu autor é Edward Tufte, professor da Universidade Yale, também em terra americana.

O documentário entrevistou também Aza Raskin, o inventor do sistema de rolagem infinita; Guillaume Chaslot, um dos desenvolvedores do algoritmo que recomenda vídeos no YouTube, e Justin Rosenstein, um dos criadores do botão “Curtir” no Facebook.

Quem também apreciou a produção foi o psiquiatra Antônio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto Delete – Uso Consciente de Tecnologias.O Dilema das Redes mostra, de forma interessante, como as redes sociais encorajam a dependência tecnológica. Apesar de não ser surpreendente, serve como advertência sobre os danos que podem causar”, afirma.

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A cena que mais chamou sua atenção é a que retrata como os algoritmos monitoram nossos desejos e emoções e, a partir deles, selecionam os anúncios que serão exibidos em nossas telas. “É impressionante como a tecnologia pode mapear nossas preferências. O objetivo é um só: manipular nossas vontades, desde o que compramos até em quem votamos, sem nos darmos conta disso”, aponta.

Na opinião de Daniel Spritzer, mestre em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o maior mérito do filme é reunir, de maneira didática, uma série de informações sobre como as mídias sociais podem ser nocivas tanto às pessoas quanto à sociedade. “Mais do que apresentar soluções, o objetivo é conscientizar sobre o problema. É um assunto ainda muito pouco falado e discutido. Precisamos ir além das discussões acadêmicas e, se possível, conscientizar o maior número de pessoas”, diz o médico.

Fundador e coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT), Spritzer também destaca uma cena: a que mostra uma mãe de família que, na hora do jantar, recolhe os celulares do marido e dos filhos e os guarda num recipiente plástico por uma hora. “Então, sobre o que vamos falar?’, ela puxa conversa. A estratégia não dá certo. Basta um dos aparelhos receber uma notificação para todos ficarem, digamos, ansiosos.

“Posso ver quem é?”, pergunta Ben, um dos filhos. “Não”, responde ela, taxativa. Enquanto isso, a outra filha, Isla, levanta da mesa para pegar um garfo e, quando a família está distraída, quebra o pote e resgata seu celular lá de dentro. “A mãe tentou resolver de maneira simplista um problema complexo”, analisa Spritzer. “Medidas únicas e restritivas, por mais bem intencionadas que sejam, costumam não ter eficácia a longo prazo. Além disso, tendem a gerar reações exageradas de quem teve seu uso restringido”.

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Aprecie com moderação

O que fazer, então, para se proteger? Os especialistas dão algumas dicas: estabelecer horários específicos para olhar o aparelho, desinstalar os aplicativos que não usa da tela principal, não levar o dispositivo para o quarto na hora de dormir, monitorar o tempo no celular e, pelo menos uma vez por semana, criar algo parecido com o “dia do detox”. Neste período, o usuário deve desligar o aparelho, guardá-lo numa gaveta e só religá-lo no dia seguinte.

Tem mais: que tal desativar os alertas sonoros que nos avisam da chegada de uma mensagem de WhatsApp ou de um like numa postagem de Facebook e que, a todo momento, nos impedem de nos concentrar no que estamos fazendo? Um estudo revelou que, em média, o indivíduo leva 24 minutos e 15 segundos para retomar seu raciocínio quando é interrompido por alguma dessas notificações.

“É preciso educar a população sobre a importância do uso consciente das tecnologias. Vamos deixar de usá-las? De jeito nenhum. Há benefícios? Claro que há. Mas há malefícios também”, resume Nabuco. “Nosso objetivo não é banir a tecnologia de nossas vidas, mas criar um senso crítico nas pessoas”, completa o psicólogo da USP.

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