Todas as noites, Marcello Barreto, o Marcellinho, de cinco anos, pede para a mãe repetir a mesma história.
E, embora ela comece com “Era uma vez…”, não foi escrita por Esopo, La Fontaine ou Monteiro Lobato.
Sua história favorita é a que narra o dia em que sua mãe, a arquiteta Raquel Cabral, descobriu que teria um filho com Down. “A primeira coisa que perguntei ao médico foi: ‘E o coração dele, doutor, está batendo?’, recorda.
Há dias, Marcello e Raquel decidiram gravar um vídeo e postar em seu perfil no Instagram.
Em pouco mais de dois minutos, ela descreve algumas das características físicas do filho: “orelhinhas baixas”, “narizinho pequenininho”, “olhos amendoados” e “linguinha grossinha”. “O Down é apenas uma das muitas características do Marcello”, completa a mãe.
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Em poucos dias, o vídeo viralizou. Em apenas uma rede social, atingiu dez milhões de visualizações, e foi compartilhado por celebridades como a cantora Ivete Sangalo, o apresentador Luciano Huck e o escritor Augusto Cury.
“Por um lado, fiquei assustada. Mas, por outro, fiquei feliz. Conviver com o Marcello é um privilégio, sabe? Aprendo mais com ele do que ele comigo”, garante, orgulhosa. “Marcellinho me ensinou a desacelerar. Preciso respeitar o tempo dele”
O perfil de Marcellinho no Instagram existe desde 2018. O objetivo, conta Raquel, foi desmistificar a Síndrome de Down e mostrar, entre outras coisas, que existe vida após o diagnóstico.
“Quando criei o perfil, queria ‘furar a bolha’, isto é, falar para aquelas pessoas que não têm ninguém com Down na família, e abrir a mente delas. Muitos acreditam que essas crianças não conseguem fazer isso ou aquilo”.
Entre as postagens, há fotos e vídeos de Marcellinho aprendendo violão, tocando bateria e até cantarolando Papel Machê, de João Bosco. Música é apenas um dos hobbies do mais novo influenciador digital do Brasil — que já tem mais de 50 mil seguidores.
Torcedor do Ceará Sporting Club, o menino também gosta de jogar bola, brincar de dominó e colecionar carrinhos da marca Hot Wheels.
A história de Marcellinho
Cearense de Fortaleza, Marcellinho nasceu no dia 11 de abril de 2018. Ainda na barriga da mãe, foi diagnosticado com Down.
Os pais, o engenheiro Achilles Barreto e da arquiteta Raquel Cabral, já tinham dois filhos: Bernardo, de 13 anos, e Maria Alice, de dez. “Não estava nos meus planos ser mãe do Marcellinho. Quando soube, tomei um susto. Marcello foi a cereja do bolo”, compara Raquel.
Aos seis meses, o pequeno precisou operar o coração. Até completar dois anos, o caçula da família não teve qualquer contato com telas: nem as do celular, nem as do tablet, muito menos as de televisão.
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Por esse motivo, não é sempre que gosta de ser filmado. “Mamãe, desliga esse celular!”, pede, às vezes. Nessas horas, Raquel desliga o aparelho e, dependendo do lugar, abre um livro. Gosta de ler as histórias, gesticulando muito e articulando bem as palavras.
Aos cinco anos, Marcellinho concilia as aulas do colégio com as sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e musicoterapia. Dono de uma memória incrível, sabe, de cor e salteado, os nomes dos 26 estados brasileiros e suas respectivas capitais.
De quando em quando, Marcellinho solta das suas. Faz pouco tempo que ele ouviu a mãe dizer que, em breve, assistiria a uma palestra do psicopedagogo Alex Duarte sobre inclusão e diversidade.
No grande dia, foi com a mãe buscar o palestrante no aeroporto. Ao vê-lo chegar, saiu correndo. “Oi, tio Alex, tudo bem? Que bom que você veio!”, cumprimentou. Dali a pouco, Marcellinho olhou para um lado, olhou para o outro, e indagou: “Ué, cadê o tio Duarte? Não veio?”. E caíram todos na risada.
No comecinho de 2021, Marcellinho perdeu o avô materno. Aos 71 anos, Genésio morreu de Covid-19. “Até hoje, sinto falta dele. Meu pai vivia dizendo: ‘Raquel, preciso viver muito para ver o tanto de sucesso que esse menino vai fazer!’. E ele tinha razão”.
“Síndrome não é doença. Se não é doença, não tem cura”
O Brasil tem hoje uma população estimada de 350 mil pessoas com Síndrome de Down. São cerca de 8 mil nascimentos por ano na proporção de uma criança com a síndrome a cada 750 nascidas. “Síndrome não é doença. Se não é doença, não tem cura”, explica Raquel.
Além de divulgar o dia a dia de Marcellinho, o perfil tornou-se um espaço de acolhimento virtual. Todos os dias, Raquel recebe incontáveis perguntas de pais e mães de crianças com Down.
Na maioria das vezes, eles querem saber como ela reagiu ao descobrir a condição genética do filho: “Tem gente que diz que o copo está meio vazio. Prefiro pensar que está meio cheio. Tem gente que chega a usar a palavra ‘luto’. Mas, por que luto, Meu Deus? Quem foi que morreu? Estamos falando de vida, e não de morte!”
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Raquel acredita, também, que o vídeo pode ajudar a combater casos de preconceito e discriminação. “Precisamos falar mais sobre a Síndrome de Down”, raciocina. “Para ter inclusão, precisa ter entendimento. E, para as pessoas entenderem, alguém precisa explicar”.
Volta e meia, Marcellinho aparece nas fotos e nos vídeos usando uma camisa com os dizeres: “Não importa a pergunta. A resposta é o amor”. “Muitas famílias indagam o que quero para o Marcello? Respondo: ‘Que ele seja feliz e se sinta amado’. Amor é solução para tudo. Com amor, a gente resolve qualquer problema!”.
Alguém duvida?