O adoecimento pela ansiedade acomete quatro em cada dez brasileiros, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso nos faz o povo mais ansioso do mundo! É um dado que surpreende muita gente e levanta, inevitavelmente, a pergunta: por quê?
Antes de mais nada, não devemos patologizar qualquer tipo de ansiedade, pois esse é um sentimento comum e natural. Todos nós nos sentimos ansiosos com frequência. Quando a ansiedade se manifesta de forma pontual e saudável, cumpre funções importantes à nossa vida.
A ansiedade “comum” é aquela que nos põe em movimento, nos informa sobre os perigos ao redor, nos alerta diante de possíveis desequilíbrios ou sofrimentos físicos e psíquicos.
A questão é saber distinguir a ansiedade “comum” de uma ansiedade que carece de cuidados.
Para quem não é profissional da área “psi”, existem três observações simples que ajudam a fazer essa distinção: a primeira é se o sentimento de ansiedade é muito maior e desproporcional em relação à sua causa; a segunda é observar se a experiência da ansiedade é longa e se arrasta por dias ou semanas; e a terceira é notar se a ansiedade começa a interferir nas atividades cotidianas, tornando-se um impeditivo para experiências do dia a dia e implicando em problemas de saúde ou perdas sociais e profissionais.
Mesmo assim, às vezes o afastamento que estabelecemos em relação ao nosso mundo interno é tão abissal que só conseguimos descobrir o tipo e o nível de ansiedade com o apoio de um profissional, apto a fazer um diagnóstico e ajudar o indivíduo nesse processo.
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Mas aquilo que realmente deveria nos deixar inquietos – e talvez ansiosos – diz respeito ao nosso lugar de destaque como o povo que mais sofre desse transtorno mental no planeta.
No filme Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, o ex-policial John Ferguson enfrenta uma situação traumática e passa a sofrer de acrofobia, um entre tantos outros estados patológicos da ansiedade. Pergunto: seríamos, como o protagonista do filme, um povo traumatizado?
Françoise Davione e Jean-Max Gaudillière, em seu livro História e Trauma: A Loucura das Guerras, revelam que os sintomas e crises psíquicas e emocionais das pessoas são, muitas vezes, reflexo de traumas históricos e sociais acumulados. O trabalho desses autores traz relatos de pacientes que enfrentaram momentos catastróficos, como no caso do personagem de Hitchcock e talvez também da nossa população.
A cena que traumatiza o protagonista de Um Corpo que Cai acontece depois de uma perseguição a um bandido que fugia pelos telhados dos edifícios. Ferguson escorrega e fica pendurado em uma calha no alto do prédio. A vivência do perigo, a antecipação da queda e a proximidade da morte convergem em um trauma que produz os sintomas do qual padece no filme.
Da mesma maneira, se olharmos atentamente para a nossa história, podemos enxergar nossas quedas. A escravidão, o genocídio dos povos indígenas e originários, a violência contra os cidadãos “diferentes” e a comunidade LGBTQIA+… Exemplos não faltam. Em comum, eles nos ajudam a entender a origem de muitos dos nossos traumas.
Nossa queda histórica e social aparece todos os dias estampada na capa dos jornais. E se repete através da violência e do desamparado perpetrados pelo Estado e por uma parcela do povo brasileiro que não respeita o outro, sobretudo as minorias.
A nossa queda é lembrada, também, pela insegurança vivenciada por cada pessoa ao caminhar pelas ruas dos grandes centros urbanos, no desmatamento (sabia que hoje já existe a eco-ansiedade, segundo a Associação Americana de Psicologia?), na insegurança alimentar, na fome que voltou a se abater sobre muitos… Para o brasileiro médio, a morte e a violência são, quase sempre, fantasmas presentes.
Nessa perspectiva, combater tais mazelas é uma forma de cuidar, no presente e no futuro, da saúde mental da nossa população. E é um passo essencial para nos tirar do primeiro lugar no ranking global da ansiedade.