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Como anda sua saúde mental? O psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e cocriador da consultoria Relações Simplificadas, reflete sobre as questões da mente humana para lidarmos melhor com os desafios do mundo de hoje
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A difícil arte de perdoar

No Dia Nacional do Perdão, nosso colunista reflete sobre esse ato que pode fazer bem à alma, à saúde e à sociedade

Por Francisco Nogueira
30 ago 2023, 10h02

Vinicius de Moraes disse, no clássico “Água de beber”, composto em parceria com Tom Jobim, nunca ter feito coisa tão certa quanto entrar para a escola do perdão.

Pensar o perdão como uma atividade que marca uma escola é propor o perdão como algo a ser aprendido. Essa ideia pode ser de extrema utilidade, sobretudo – e isso talvez o poetinha não vislumbrasse – em um país tão cindido e extremado.

No Brasil, já há algum tempo, ouvimos falar dos inúmeros casos de famílias divididas pela política, das manifestações agressivas e da intolerância que se abateu sobre a vida social. Atravessamos tempos de relações despedaçadas e convivências interrompidas.

O ressentimento é a marca de um cenário que, para muita gente, ainda não apresenta um horizonte passível de reparação.

O perdão, nesse contexto, se apresenta como um problema complexo, pois provoca conflitos internos nas mentes e corações das pessoas, além de toda ordem de cobranças morais e religiosas.

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O perdão talvez seja um dos artifícios civilizatórios mais antigos que existem. Enquanto habilidade de convívio, é anterior às religiões e à artimanha da culpa imperdoável pelo pecado original.

Perdoar é uma arte de aperfeiçoamento da nossa humanidade. Quando exercida, eleva espiritualmente tanto aquele que concede o perdão quanto aquele que é perdoado.

Ela expande a nossa capacidade de simbolização com as frustrações da vida, assim como em relação às nossas faltas com os outros e as faltas dos outros para conosco.

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Além de tudo isso, alguns autores vêm ressaltando uma espécie de efeito terapêutico que a arte de perdoar exerce sobre nós, reduzindo o estresse, auxiliando na regulação da pressão arterial, atuando na melhoria da qualidade do sono e favorecendo sentimentos positivos de paz e felicidade.

Mas, diante dos acontecimentos que testemunhamos nos últimos anos em nosso país, o conhecimento de todos os benefícios que o perdão propicia parecem insuficientes para convencer muita gente a se lançar neste trabalho tão profundo, propondo questionar se existiria, ou não, um limite para o perdão.

Seria possível, por exemplo, perdoar a barbárie e o nazismo?

Em livro recentemente lançado, intitulado Perdoar, uma loucura do impossível (7 Letras), o psicanalista Victor Maia discorre sobre a temática elencando os obstáculos para a concessão do perdão.

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Em certa passagem, o autor lembra que para o filósofo Vladimir Jankélévitch não se pode perdoar aquilo que interrompe a história. Não se pode “deixar para lá” ou esquecer certas coisas.

O perdão não é sinônimo de esquecimento, mas justamente o seu contrário. Ele só pode ser concedido mediante a lembrança do erro, à atualização, no presente, daquele mal do passado.

E não há o que perdoar quando o que está em jogo é aquilo que Hannah Arendt chamou da irreversibilidade do mal. Ou seja, diante daquilo que é da ordem do inominável, que extingue a história, que aniquila a dimensão humana da existência. Políticas de extermínio de povos ou mesmo de negligência com a vida se enquadram neste caso.

São exemplos disso o holocausto, a suspeita de genocídio de povos indígenas que pesa sobre o Brasil e, até mesmo, poderíamos dizer, o descaso e o deboche com os cuidados relativos à saúde durante a pandemia.

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Talvez um dos grandes desafios para a reparação de parte das relações abaladas pela sanha odienta dos últimos anos teria sido convencer aqueles que financiaram a barbárie a pedir perdão.

Tarefa impossível, posto que uma das marcas do radicalismo é a incapacidade de considerar a dignidade daquele que é tachado como diferente. O processo do perdão, e de seu pedido é, por outro lado, uma abertura total à alteridade.

A certeza, ou a promessa, de que não repetiremos os erros do passado pode ser o primeiro caminho para o perdão. Neste sentido, do ponto de vista social, o clamor da massa que grita não à anistia não se dá por vingança, mas por reparação histórica: o esforço de barrar a repetição do mal.

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Mas e do ponto de vista das relações pessoais?

A reparação das relações fraternas e familiares nunca esteve tão dependente da nossa capacidade de reparação histórico-institucional, tão ameaçada pelo radicalismo financiado que opera sub-repticiamente. Mas também depende daquilo que cada um de nós vai conseguir extrair do que Vinícius de Moraes poeticamente nomeou como a escola do perdão.

Ou seja, a difícil arte de transitar pelos nossos limites morais e humanos para criar sentidos de continuidade entre o tolerável e o intolerável, o crucial e o trivial, o principal e o acessório.

Quando o que está em jogo são as nossas relações pessoais, vale sempre lembrar que a história só existe porque existe o perdão.

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