Faz sentido cortar glúten e caseína para ajudar no tratamento do autismo?
Nossa colunista fala sobre o impacto das restrições alimentares na rotina de pacientes dentro do espectro
Cerca de 25% das famílias que convivem com o transtorno do espectro autista (ou TEA) buscam estratégias alternativas de tratamento e, entre elas, estão alterações na alimentação.
Nesse sentido, dois tipos de dieta se popularizaram: uma restrita em glúten (que é uma proteína encontrada no trigo, no centeio e na cevada) e outra restrita em caseína (que é uma proteína do leite).
Entretanto, essas intervenções alimentares estão longe de representarem um consenso entre os especialistas. E vou trazer alguns pontos para entendermos o porquê.
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Sempre que pensamos numa estratégia de tratamento, mesmo que seja dietético, é preciso ter a evidência de sua eficácia e de sua segurança.
E esses dados não vêm de casos de sucesso de prática clínica nem mesmo de publicações cientificas que tenham baixo nível de evidência.
Para entendermos a real eficácia e segurança de uma intervenção, precisamos de estudos bem desenhados, que consigam isolar outras variáveis capazes de interferir no desfecho.
Além disso, é importante contar com um número de participantes representativo e com um grupo suficientemente homogêneo, para que possamos extrapolar esses resultados para a população.
Aí sim, temos uma validação da estratégia.
Atualmente, os resultados das pesquisas que avaliam os impactos da retirada dos alimentos com glúten e leite para indivíduos dentro do TEA são controversos.
Há uma tese de que o glúten e a caseína poderiam, por um mecanismo ainda pouco elucidado, gerar algum processo inflamatório, intensificando a manifestação de comportamentos neuroatípicos.
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Mas os estudos de alta qualidade não demonstraram essa associação.
Vale destacar, entretanto, que se o paciente tiver alergia à proteína do leite de vaca, alergia à trigo ou doença celíaca, o consumo desses alimentos irá causar desconforto. Aí, sim, poderemos ter a exacerbação de alguns sinais associados ao TEA.
Os estudos, atualmente, também não deixam claro se as alergias e intolerâncias alimentares são mais prevalentes dentro do espectro, mas o fato é que, se houver o diagnóstico de alergia alimentar ou de doença celíaca, a retirada do alimento agressor será necessária.
Em alguns casos, exames podem ajudar a fechar o diagnóstico. Mas, na maioria das vezes, é a dieta de exclusão seguida do teste de provocação oral (com a nova exposição ao alimento) que elucidam a necessidade de se manter ou de se suspender a dieta.
Para isso, é preciso ter acompanhamento com médico e nutricionista com experiência em alergia alimentar.
O risco de cortar alimentos sem necessidade
Dentro do espectro, é comum haver algum grau de seletividade alimentar.
E a restrição da dieta, se desnecessária, incrementa o risco nutricional, já que pode limitar a participação de alimentos que são nutricionalmente relevantes na rotina e de fácil aceitação.
A dieta de restrição também traz um importante impacto social. Afinal, os lanches da escola precisarão ser diferentes do restante da turma e nem sempre haverá opções em festinhas e eventos.
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Claro que, havendo necessidade, planejaremos esse percurso. Mas, e se não for?
Costumo dizer que, tão importante quanto fazer a restrição alimentar quando há clareza no diagnostico, é não fazê-la quando se descarta a hipótese de alergia ou intolerância.
Cada caso é único e precisa ser avaliado com a família e com a equipe.