Outro dia, eu e a minha esposa, a Lu (ou Luciana, para manter a seriedade desta coluna), estávamos na academia treinando, quando encontramos uma conhecida que não víamos há muitos anos. Ela nos cumprimentou e logo disse, efusivamente: “Nossa, vocês dois não mudam, continuam com a mesma carinha e o mesmo corpinho”. Mas minha alegria não durou muito. Enquanto em meus pensamentos me comparava com um fusca – carro que não importa o ano de fabricação e sim o estado de conservação – ela desferiu seu golpe. “É a genética, vocês dois tem genética boa”, disparou.
De fato, minha genética e a da Lu são boas. Nosso DNA vem dos genes de nossos pais, como de todos nós. Por que aquela frase me incomodou um pouco então? Quando delegamos só à herança genética a responsabilidade pela magreza ou pelo excesso de gordurinha, deixamos de lado nossa participação no processo. Ou seja, estamos condenados a ter a composição corporal que herdamos, não importa o que façamos na academia, na mesa do jantar e por aí vai.
Se tomarmos essa afirmação como verdadeira, a obesidade deveria permanecer estável ao longo dos anos em todo o planeta. Quem é gordo tem filhos gordos e quem é magro tem filhos magros, certo? Só que o crescimento exponencial da obesidade no mundo é um fenômeno pra lá de recente, que não condiz com essa linha de argumentação. Mais: há 33 anos, nenhuma nação conseguiu reduzir seu índice de obesidade per capita.
Vamos olhar então essa história da genética com mais cuidado. Alguns estudos bem interessantes avaliaram gêmeos idênticos, criados em ambientes diferentes. Muitos desses trabalhos foram feitos com imigrantes japoneses magros que mudaram para o Havaí, enquanto seu irmão idêntico ficava no Japão. Os resultados demonstravam que o ambiente novo influenciava o irmão imigrante – este engordava, mas o outro, que permanecia em sua terra natal, mantinha-se magro.
Recentemente, uma pesquisa demonstrou que mães ativas e que se alimentam equilibradamente junto com os filhos são mais magras e possuem filhos mais magros. O exemplo materno influenciou significativamente na composição corporal do filho. Gosto da expressão em inglês para isso: walk the talk (ou “percorra o que fala”, em tradução livre). Mas alguns aqui poderiam até retrucar: “Ah, mas essas mães eram geneticamente predispostas à magreza, por isso os filhos ficaram magros”.
Bom, seria um sucesso de estudo genético imenso, pois a seleção voluntária das participantes resultaria em um grupo homogêneo geneticamente, sem que essa variável fizesse parte dos critérios de inclusão e exclusão do experimento. Más ok, vamos dar o direito da dúvida.
Uma resposta mais enfática para esse questionamento veio no formato de um estudo publicado recentemente pela revista Cell Metabolism em julho agora. Os autores escolheram camundongos com genes que favorecem a magreza e ofertaram uma alimentação rica em proteína. Eles terminaram com a mesma composição corporal do grupo controle. Pegaram então cobaias com DNA que favorece a obesidade e os alimentaram com um cardápio rico em carboidratos e os animais não engordaram. Por último, ofereceram comidas ricas em gordura para um grupo de camundongos geneticamente modificados para serem magros – e esses, sim, engordaram.
Então os bichos geneticamente determinados para serem magros engordaram ao consumir mais gordura. Os autores associaram duas razões para isso:
1) A gordura dietética não exige uma grande quantidade de energia para ser incorporada em forma de gordura corporal no organismo.
2) Esse nutriente gera uma resposta hedônica no sistema nervoso central. Assim, ao comer gordura, nossa sensação de prazer estimula a ingestão de mais gordura e, repetindo esse padrão, engordamos (falamos desses dois pontos no livro O Fim das Dietas).
Então da próxima vez que você pensar em chamar sua amiga magrinha de sortuda por ter boa genética, lembre-se: a genética não determina os alimentos que escolhemos. Mas os alimentos que escolhemos determinam nossa composição corporal.