Todo câncer surge a partir do acúmulo de alterações no material genético (DNA), dando origem a proteínas disfuncionais, de uma célula que antes era saudável. Ela começa a se replicar numa velocidade acelerada e vai perdendo sua identidade e ganhando a capacidade de viajar e parar em outros órgãos (metástases) e, neste momento, passa a abalar pra valer a saúde.
E se nós tivéssemos uma forma de atacar algumas moléculas importantes para o funcionamento dessas células doentes, de forma a enfraquecê-las e frear sua expansão? Pois essa estratégia já existe. Falamos da terapia-alvo, um tratamento que ganha cada vez mais destaque na oncologia.
A ideia não é nova: o bacteriologista alemão Paul Ehrlich (1854-1915), vencedor do Prêmio Nobel de Medicina de 1908, já sugeria há mais de um século a possibilidade de uma “bala mágica”, um tipo de remédio que combatesse mecanismos bem específicos das moléstias infecciosas.
O conceito foi evoluindo com o passar do tempo e, a partir do ano 2000, virou realidade no luta contra o câncer. Hoje em dia, temos terapias-alvo disponíveis para tratar os tumores de pulmão, rim, mama, tireoide, ovário, pele, fígado, cólon e reto, além de melanoma, sarcoma, leucemias e linfomas. Um avanço impressionante!
Mira certeira
Administradas por via oral ou intravenosa, essas drogas atuam como um míssil teleguiado. Elas bloqueiam proteínas específicas — alvos moleculares, daí o nome terapia-alvo — importantes para o funcionamento da célula cancerosa, minando suas possibilidades de expansão e reduzindo os danos causados por elas. Ao contrário da quimioterapia, que pode atuar tanto em células doentes quanto nas saudáveis, esse recurso terapêutico, devido à maior seletividade para célula tumoral, está relacionado a um menor número de efeitos colaterais.
Apesar desse benefício, é importante ressaltar que a terapia-alvo não é a primeira escolha de tratamento na maioria dos casos. Ela geralmente é utilizada quando a doença já se disseminou para outras partes do corpo, ou seja, quando o tumor originou metástases, e as outras opções (cirurgia, quimioterapia e radioterapia) não deram conta do recado.
Atualmente, as únicas situações em que o uso desses medicamentos tem objetivo curativo são na leucemia e no linfoma, quando a doença acomete as células sanguíneas ou o sistema linfático, respectivamente, e como tratamento adjuvante (complementar à cirurgia) em alguns tumores de mama. Nestes cenários, associados à quimioterapia, eles alcançam uma taxa de resposta bastante elevada e aumentam a chance de cura dos pacientes.
Quando valem a pena
Claro que esses fármacos não são uma panaceia e não podem ser prescritos para todos os casos. Antes de começar o tratamento, é preciso certificar-se que aquele tumor específico carrega o alvo sobre o qual a terapia age! Para isso, nós realizamos biópsias e exames moleculares para confirmar (ou não) se o tumor carrega a proteína (ou gene) alterada que é atacada pela medicação.
O preço elevado desses novos remédios ainda é um fator que preocupa. Mesmo assim, o processo de aprovação pelas agências regulatórias brasileiras melhorou bastante nos últimos anos. Desse modo, conseguimos ter acesso rapidamente ao que há de mais moderno na medicina. Ponto positivo no combate ao câncer.
*Vladmir Cordeiro de Lima é oncologista clínico do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo