Tratamentos dentários podem piorar ou desencadear doenças cardiovasculares
Entenda a relação entre a saúde bucal e o músculo cardíaco — e os cuidados para evitar que um interfira no outro

Doenças cardiovasculares (DCVs) são responsáveis por 30% das mortes no Brasil e estão entre as principais causas de óbitos no mundo. Uma espécie de pandemia permanente cuja prevenção é a única “vacina” possível.
Evitar o agravamento ou os fatores de risco destas doenças é uma iniciativa que inclui também os dentistas: algumas patologias ou tratamentos odontológicos podem desencadear ou exacerbar as DCVs. Afinal, estima-se que 45% das enfermidades cardíacas e 36% das fatalidades delas derivadas comecem pela cavidade bucal.
A conexão dente-coração acontece via corrente sanguínea. As bactérias e outros agentes inflamatórios originários da boca migram para o sistema cardiovascular, em processo conhecido por bacteremia.
A doença periodontal — inflamação crônica dos tecidos que suportam os dentes — é um exemplo que tende a impactar o músculo cardíaco. Ela causa sangramentos na boca, em especial após escovações dentárias, e pode ser um fator primordial para a perda de dentes.
Pacientes que apresentam este diagnóstico têm 5,3 vezes mais probabilidade de desenvolver DCVs.
A endocardite infecciosa – infecção das válvulas do coração que ocasiona complicações graves, incluindo insuficiência cardíaca – pode ser uma consequência cardiovascular da doença periodontal e resultar em altas taxas de morbidade e mortalidade.
Ela desencadeia uma resposta inflamatória sistêmica, podendo favorecer a formação de placas ateroscleróticas nas artérias, um dos relevantes fatores de risco para infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC).
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Orientações
A fim de fornecer diretrizes práticas, sobretudo na abordagem de portadores de DCVs, um grupo de cirurgiões-dentistas produziu um artigo para orientar colegas da área.
Recentemente publicado na Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – Socesp, a revisão integrativa Recomendações Odontológicas para Tratamento Endodôntico em Pessoas com Doenças Cardiovasculares traz evidências atuais sobre a relação entre os dois tópicos.
O trabalho alerta para a importância da avaliação clínica e radiográfica minuciosa antes de iniciar os procedimentos endodônticos, conhecidos por tratamento de canal. A anamnese, bem como a interatividade com o cardiologista que acompanha o paciente, são etapas fundamentais para a segurança de ambas as partes.
Ao identificar cardiopatias, os cuidados especiais devem ser redobrados: estratégias para o controle de ansiedade, gestão do tempo de consulta, indicação de profilaxia antibiótica, manejo de sangramento e controle da dor durante e pós-operatória, bem como, possíveis, sem interações medicamentosas, são fatores essenciais para evitar o estresse e um bom andamento do caso.
O artigo reforça a preocupação no atendimento daqueles com hipertensão arterial sistêmica. Tais pacientes podem ter picos de estresse físico e emocional no atendimento odontológico, capazes de gerar alterações pressóricas significativas.
O uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes durante a terapia odontológica sempre foi motivo de apreensão. Porém, estudos atuais recomendam a não suspensão dos medicamentos para procedimentos odontológicos, considerados como de baixo risco de sangramento. Isso porque a chance de eventos tromboembólicos supera o de hemorragia transoperatória.
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Ao se munir de informações preliminares, incluindo histórico médico e odontológico, principais queixas e lista de medicamentos utilizados, o profissional amplia as condições tanto para obter sucesso como para minimizar ocorrências cardiovasculares, que começam ou agravam justamente onde muitos têm receio de estar: na cadeira do dentista.
Destaque em congresso
A interrelação entre odontologia e doenças cardiovasculares também será pauta no próximo Congresso da Socesp, que acontece nos dias 19, 20 e 21 de junho, no Transamérica Expo Center, em São Paulo.
E esse tema será amplamente debatido por cirurgiões dentistas e cardiologistas durante os três dias do evento.
* Frederico Buhatem Medeiros é odontologista, assessor científico do Departamento de Odontologia da SOCESP e um dos autores da revisão integrativa publicada na Revista da SOCESP